Em agosto, no Campeonato Europeu de Atletismo, quando Dina Asher-Smith e Daryll Neita chegaram à final dos 100 metros, deveria ter sido uma demonstração do domínio desportivo britânico. Mas, inesperadamente, Asher-Smith parou e Neita não foi rápida o suficiente para alcançar o ouro, ambas por causa de cãibras. Mais tarde, Asher-Smith revelou que a sua contração do tecido muscular tinha sido um sintoma de estar menstruada, sentindo uma imensa frustração com o impacto no seu desempenho desportivo. Se fosse um problema masculino já teria sido resolvido, argumentou na altura a velocista britânica.
Em 2016, durante as olimpíadas do Rio de Janeiro, no Brasil, também a nadadora chinesa Fu Yuanhui não subiu ao pódio devido ao cansaço causado pelo período.
É um sentimento partilhado por muitas colegas atletas e treinadores, incluindo Emma Hayes, treinadora do Chelsea FC. “Uma vez por mês, durante cerca de cinco dias, muitas jogadoras têm algo que pode causar um sofrimento significativo e ter um forte impacto no seu desempenho. Os atletas merecem uma maior compreensão da diversidade de sintomas que podem surgir”, escreveu no Telegraph no início do ano.
Relevante foi também o pedido que a seleção de futebol feminina inglesa fez à Nike, solicitando a mudança de cor dos calções do equipamento, todo branco. O motivo é o incómodo que as jogadoras sentem ao ter de usar os calções brancos quando estão com o período.
As empresas de ciência do desporto começaram a oferecer pacotes de consultoria para ajudar as atletas a trabalharem de forma proativa com os seus ciclos menstruais para se manterem no topo, uma abordagem já encontrou discípulos: Vlatko Andonovski, treinador da seleção feminina de futebol dos Estados Unidos atribuiu, em certa parte, a vitória no Mundial de 2019 a esse fator. Em vários países europeus, as instituições desportivas também iniciaram alguns projetos para dotar as suas atletas com estratégias semelhantes antes dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024.
Sendo certo que este é um tema que gera muitas dúvidas, alguns investigadores acreditam que uma melhor e mais assertiva compreensão do ciclo menstrual, não só poderá livrar as atletas dos sintomas, como levá-las a obter novos recordes.
Com a participação feminina no desporto de elite em níveis crescentes – há 46 anos, as olimpíadas incluíam apenas 20% de mulheres; em 2021, a paridade de género foi alcançada, pela primeira vez, nos Jogos Olímpicos de Tóquio – não é de surpreender que a procura por soluções para diminuir os sintomas menstruais no desporto também aumente.
Mas, faltam pesquisas. As mulheres representam apenas 39% dos participantes em estudos de ciências do desporto, segundo um estudo de 2014. O que leva a determinar tendências apenas com base em evidências irregulares, como treinar ou comer de acordo com uma previsão da fase do ciclo em que a atleta está. Os banhos de gelo, por exemplo, usados como técnica de recuperação, são controversos, mas muitos atletas fazem-nos porque melhora a sensação nas pernas. Uma intervenção comum é a alimentação anti-inflamatória. Durante o ciclo menstrual, a inflamação no corpo aumenta em diferentes pontos e a lógica é que as atletas possam combater os sintomas consumindo alimentos que reduzem a inflamação, como açafrão ou sumo de cereja e gengibre, à hora certa.
A empresa de ciências desportivas Orreco concorda com essas opções. Através da sua aplicação, as atletas e clientes podem acompanhar os seus ciclos hormonais e sintomas, usando os dados para obter conselhos sobre nutrição. Uma das jogadoras da seleção feminina de futebol de Inglaterra viu bons resultados passados seis meses, depois de mudar o estilo de vida e os hábitos de alimentação.
Outra solução para controlar os ciclos hormonais femininos passa pelo controlo de natalidade hormonal. Com a pílula, o fluxo sanguíneo pode ser totalmente evitado saltando o intervalo normal e, mesmo sem saltar, a menstruação não será um período real porque a pílula bloqueia a ovulação. Isso significa que, enquanto as atletas estiverem a tomar anticoncecionais hormonais, as mulheres não vão menstruar.
Pippa Woolven, antiga corredora recém-aposentada da Grã-Bretanha, desenvolveu deficiência energética relativa no desporto (por falta de alimentos que compensem o consumo de energia devido aos treinos), quando conseguiu uma bolsa desportiva para ir para os Estados Unidos e estava ansiosa para progredir na carreira. “Aumentei a minha carga de treino e comecei a sentir cada vez mais pressões em torno da imagem corporal, dieta, nutrição. Tornou-se muito difícil funcionar como ser humano, quanto mais como atleta.”
Quando o corpo tem um défice de energia e o ciclo menstrual é suprimido, o organismo interrompe a produção de estrogénio, importante para os ossos. Se as atletas desenvolverem deficiência energética relativa no desporto no início da juventude, quando deveriam aumentar a densidade óssea, correm um risco muito maior de fraturas por stress, baixa densidade óssea e osteoporose.
Tal como disse Kathryn Ackerman, médica de medicina desportiva e endocrinologista em Massachusetts, nos Estados Unidos, ao jornal The Guardian esta é uma questão também masculina. Os níveis de testosterona dos homens podem diminuir e à medida que a testosterona é convertida em estrogénio a saúde óssea também sofre. “Um dos sinais desse défice num atleta masculino é diminuíram a libido e não terem ereções matinais normais. Precisamos normalizar o assunto, não sexualizá-lo.”