Nos últimos anos, a curcuma tem-nos presenteado com o seu histórico “irrepreensível”. Com propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e antibacterianas, a pequena raiz alaranjada, também conhecida por açafrão-da-terra, tem vindo a ganhar grande popularidade na Europa, apesar de já ser utilizada como arma da medicina e ingrediente de eleição na culinária asiática há mais de 2500 anos.
Em 2014, a avaliação de um estudo sobre o açafrão-da-terra, publicada no jornal Phytotherapy Research, revelou que a especiaria regula a inflamação que “desempenha um papel importante em doenças crónicas, incluindo neuro-degenerativas, cardiovasculares, pulmonares, metabólicas, autoimunes e neoplásicas”. Daí que muitos especialistas recomendem a utilização de suplementos de curcuma, utilizados como coadjuvantes no tratamento e retardamento de diversas patologias.
Nos EUA, já é o quarto suplemento de ervas mais vendido e se, para uns, é uma solução milagrosa, para outros tem-se tornado num verdadeiro problema. Recentemente, foram registados casos isolados de lesões no fígado, depois da utilização de suplementos e chás deste açafrão, que levam os especialistas a pensar na curcuma enquanto potenciadora de efeitos hepatotóxicos – lesões no fígado e impedimento do seu normal funcionamento.
Os testemunhos na Europa e Estados Unidos dão conta de sintomas como náuseas, vómitos, dor abdominal, icterícia hepática – manifesta-se através de pele e olhos de cor amarelada e está relacionada com alterações no fígado – e, em alguns casos, hepatite aguda, após a ingestão de suplementos de curcuma. Na grande maioria das situações em que se verificam sintomas ligeiros, estes desaparecem, assim que existe interrupção da utilização do açafrão-da-terra.
Em setembro, uma investigação intitulada “Lesão hepática associada à curcuma – um problema crescente”, publicada no The American Journal of Medicine, analisou dez casos de lesão hepática induzida por suplementos e concluiu que sete dos suplementos utilizados continham curcuma, sendo que três deles também continham piperina, o principal composto ativo presente na pimenta preta.
A combinação destas duas especiarias é frequente em chás e suplementos e, para muitos especialistas, a resposta pode estar aqui. Por ser rapidamente metabolizada e eliminada, a absorção da curcuma no nosso organismo é muito baixa, o que significa que os efeitos benéficos do composto ativo da curcuma, a curcumina, não são tão significativos quando ingerimos a especiaria de forma isolada ou em qualquer preparação culinária. A “fórmula” que tem sido utilizada para “ativar” os efeitos da especiaria resulta da combinação com piperina, o componente ativo da pimenta preta, que potencia até 2000% a absorção da curcuma.
Em 2021, um estudo publicado no National Library of Medicine que analisou informações clínicas sobre lesões hepáticas já indicava que a piperina provocava uma “sobredosagem” da curcuma e que essa poderia ser a principal responsável pelo crescente número de casos.
Por outro lado, Ken Liu, do Royal Prince Alfred Hospital, na Austrália, ouvido pela revista New Scientist, explica que a questão da genética também pode tornar certas pessoas suscetíveis a lesões no fígado, provocadas pela curcuma. “Quando tomas um suplemento à base de ervas, este é digerido e absorvido pela corrente sanguínea, depois entra no fígado para ser metabolizado antes de ir para o resto do corpo”, afirma. “Esse metabolismo é feito por enzimas no fígado que são geneticamente diferentes de uma pessoa para outra, então algumas pessoas processam algo inofensivo, enquanto outras processam algo tóxico”.
Os sinais de alerta
Por serem casos recentes, a investigação existente ainda não oferece respostas conclusivas, no entanto, os especialistas recomendam a quem toma suplementos à base de curcumina que fique atento aos sinais de alerta que possam surgir.
De acordo com o estudo publicado no National Library of Medicine, antes de desenvolverem lesões hepáticas, os pacientes começaram por registar fadiga, náuseas, falta de apetite e dores abdominais, seguidas de urina mais escura e icterícia. Apesar de serem menos frequentes, também se verificaram erupções cutâneas e febre.
Quanto ao tratamento, o estudo menciona a utilização médica de prednisona, medicamento administrado numa grande quantidade de doenças, embora na grande maioria dos casos não seja necessário recorrer a tal fármaco, uma vez que “a recuperação é rápida quando o produto à base de plantas é descontinuado”.
Se tem por hábito combinar açafrão-da-terra e pimenta-preta nas suas iguarias, não fique preocupado – poderá continuar a fazê-lo. Ao contrário do que acontece nos chás e suplementos à base de curcuma, na culinária, habitualmente, são adicionados outros ingredientes que limitam a absorção exagerada da especiaria.