Está provado que os cães podem ajudar os humanos a combater a depressão e a diminuir os sintomas de ansiedade, mas estes animais também não estão sempre felizes e podem, em algum momento, sentir-se tristes e deprimidos. “A domesticação do cão implicou alguma dependência emocional relativamente a nós e a ansiedade por separação é hoje um dos grandes problemas dos cães”, começa por dizer à VISÃO Sofia Costa, veterinária especialista em comportamento animal.
A médica não utiliza o termo depressão quando se refere a cães, mas sim ansiedade, e acredita que uma das grandes razões para a sua existência “é a ausência dos donos por longos períodos e a falta de exercício físico”. “Os cães têm ansiedade que se manifesta da mesma maneira que em nós”, refere a especialista. Fisicamente, podem apresentar distúrbios gastrointestinais, urinários e dermatológicos, sendo “um dos sinais mais comuns o lamber excessivo dos membros anteriores”, esclarece. “Comportamentos compulsivos, como perseguir a cauda de forma exaustiva, são muito característicos de níveis de ansiedade elevada”, acrescenta ainda.
Além disso, não têm tanta vontade de comer e tendem a evitar movimentar-se, explica, por seu lado, André Santos, médico veterinário especialista em medicina interna e cardiologia veterinária, podendo ficar mais irritados ou prostrados. “Quando um animal chega com estes sinais ao consultório, é preciso fazer análises, uma colheita de urina para saber se não há infeção urinária, além de outras coisas. Excluindo isso e havendo um episódio que possa ter posto o animal deprimido, como uma perda, por exemplo, chega-se ao diagnóstico de depressão que terá de ser seguido por um médico especialista em comportamento animal”, esclarece André Santos. “É um diagnóstico arriscado de se fazer por um clínico geral, eu não o faço de ânimo leve”, afirma.
O diagnóstico é, geralmente, de exclusão, ou seja, caso o cão apresente sinais como prostração e falta de apetite e as análises não revelarem qualquer problema, segue-se para a anamnese, ou seja, a sua história clínica, para se perceber o que originou os sinais depressivos.
“Implica sempre uma avaliação clínica do cão e também do seu contexto”, afirma, no mesmo sentido, Sofia Costa, em relação ao diagnóstico. “Essa avaliação é essencial para que se descarte alguma patologia que poderá mimetizar um diagnóstico de ansiedade. Um cão que apresente dor pode manifestar ansiedade também, mas essa ansiedade termina quando eu o trato para a dor. Quando suspeitamos que algo não está bem e o animal já fez uma avaliação clínica, deve-se mesmo marcar uma consulta de medicina do comportamento animal”, defende.
De acordo com André Santos, existe alguma predisposição de animal para animal para o desenvolvimento de ansiedade e depressão. “Há animais mais resistentes do que outros, como acontece com as pessoas. Não existe um estudo genético que o comprove, mas é óbvio que há”, afirma. Mas existem outros fatores, como a mudança de espaço, o nascimento de crianças, a aquisição de novos animais, a perda do dono ou de outro animal doméstico que lhes fizesse companhia, que também favorecem o desenvolvimento da depressão nos cães.
E este problema “pode levar a situações mais graves”, esclarece o veterinário, devido a uma diminuição do sistema imunitário, que pode provocar infeções secundárias de vários tipos. “Como nas pessoas, o cortisol circulante pode aumentar, aumenta o stress, e podem desenvolver-se infeções, cálculos na bexiga ou nos rins e doenças autoimunes que existam podem agravar nesta fase também”, explica.
Não podemos garantir uma felicidade constante, mas devemos dedicar-nos ao máximo
De acordo com Sofia Costa, o tratamento para este tipo de problema implica sempre um plano de modificação comportamental, que pode ou não estar associado a terapêutica. “Existem várias abordagens, todas elas bastante diferentes. A feromonoterapia, os nutracêuticos e os psicofármacos são os mais comuns neste tipo de tratamento”, explica a especialista. Estes últimos são medicamentos que necessitam de receita médica e são utilizados na psiquiatria humana para distúrbios de ansiedade, depressão e compulsão. “Podem também ser usados pela medicina veterinária quando assim se justificar”, afirma.
Na feromonopterapia, utilizam-se as feromonas, que são interpretadas numa zona do nariz chamada orgão vomeronasal. “São de interpretação inata e sem subjetividade, e dão sempre a informação de calma ao animal”, esclarece Sofia Costa. Estas feromonas estão disponíveis em formato de difusor ou impregnadas numa coleira e cada espécie tem capacidade de interpretar apenas as feromonas da sua espécie. “No caso do cão, essas feromonas mimetizam as que são produzidas pelas cadelas quando se encontram em lactação, acalmando os cachorros quando estes se encontram a mamar”, diz a médica.
Já os nutracêuticos pertencem ao grupo dos suplementos alimentares que induzem efeito calmante. Muitos desses suplementos são já incorporados em rações ou fornecidos paralelamente, informa a veterinária. Um deles é um percursor da serotonina – a hormona da felicidade -, o triptofano. “Outro dos suplementos é um componente que existe no leite materno, a cosozepina”, esclarece.
“O princípio básico é semelhante às pessoas”, afirma, por seu lado, André Santos. “Existe medicação, que é muitas vezes a que se utiliza em pessoas, que aumenta os níveis de serotonina no cão, ou seja os níveis hormonais de felicidade”, explica o médico. Mas alerta: “A medicação é como um chapéu de chuva, ou seja, a chuva está lá, temos de tratar o que está à volta disto tudo, o fator predisponente, e a medicação apenas nos vai dar tempo e melhorar um bocadinho os sinais”, esclarece. Por exemplo, se o animal não estiver tão deprimido vai conseguir ter aulas, ir à creche e fazer atividades positivas para ele, que reduzam a ansiedade.
Em relação à medicação, que varia de caso para caso e é indicada em doses diferentes, “pode ou não ser para a vida”, diz ainda o especialista.
“Assim como nas pessoas, não conseguimos garantir uma sempre felicidade dos cães, não conseguimos controlar a 100%”. Contudo, podemos diminuir a predisposição para a ansiedade e depressão. Como?Aumentando a felicidade dos nossos animais, afirma André Santos: passear com eles, dar-lhes carinho e tempo, arranjar outros animais para lhes fazerem companhia, alimentá-los bem. “Nos gatos, por exemplo, é importante fazer um bom enriquecimento ambiental, com sítios para brincarem e se esconderem, por exemplo”. Mas o ingrediente principal é o amor.
Sofia Costa segue o mesmo pensamento. “O mais importante para que os animais tenham qualidade de vida é que os consigamos entender enquanto espécie e fornecer condições para que consigam expressar os seus comportamentos inatos”, afirma.