O perfecionismo é frequentemente encarado como uma qualidade louvável, especialmente no ambiente profissional. Um perfecionista é visto muitas vezes como um indivíduo capaz de exceder expectativas e com vontade de dar o seu melhor em todas as tarefas que lhe são atribuídas. Ainda assim, e embora estas possam parecer, de facto, qualidades admiráveis, a constante busca pela perfeição pode, segundo pesquisas recentes, fazer mais mal do que bem.
Os mais recentes estudo indicam que o perfecionismo se trata, não de uma característica que pode ser comparada a outras como a simpatia ou a timidez, mas antes de uma condição médica, uma patologia que, tal como qualquer outra doença, traz consigo uma série de consequências negativas para o indivíduo que a apresenta e até mesmo para os seus filhos.
De acordo com o programa para profissionais de saúde de Martin Anthony, professor de psicologia na Ryerson University, em Toronto, especialista no diagnóstico e tratamento de ansiedade e outras condições psicológicas e ex-presidente da Associação Psicológica Canadiana, o perfecionista é aquele que estabelece “padrões irreais para si ou para os outros”, apresentando características como a “necessidade excessiva de controlo”, “pensamento catastrófico quando os padrões não são atendidos”, “comportamentos de stresse quando padrões inatingíveis não são atendidos”, “procura por garantia”, entre outros.
Indivíduos que apresentem os comportamentos referidos estão em maior risco de “preocupação, depressão, problemas de imagem corporal, restrição alimentar e fadiga e esgotamento profissional”, como explica Anthony, sendo que em alguns casos mais graves pode mesmo resultar em morte precoce. Vários estudos têm procurado reforçar os perigos associados à procura incansável pela perfeição, mas esta continua a ser vista como uma qualidade em detrimento do que realmente é: uma patologia.
Um estudo publicado em Agosto do ano passado e citado pela Forbes, por exemplo, estabelece uma ligação direta entre o perfecionismo e a depressão. A patologia do perfecionismo pode ser organizada em três categorias: perfeccionismo auto-orientado – a tendência de exigir a perfeição do eu; perfecionismo orientado para os outros – a tendência de exigir perfeição de outras pessoas; perfecionismo socialmente prescrito – a tendência de acreditar que as outras pessoas exigem perfeição do próprio. O estudo conclui que todas as três categorias são acompanhadas por uma maior tendência para a depressão. “Todos os traços de perfecionismo e estilos de autoapresentação resultaram em maior gravidade da depressão por meio de uma ou mais facetas de desconexão social, com descrença social e solidão, demonstrando os efeitos mais difundidos”, escreveram, no relatório, os autores.
A autorrepresentação referida trata-se de uma segunda forma de categorizar o perfecionismo que representa o modo como as pessoas perfecionistas se expressam aos outros. Também esta divisão é feita em três: autopromoção perfecionista – promoção ativa dos próprios talentos e habilidades numa tentativa impressionar os outros (um estilo que compartilha semelhanças com o narcisismo); não exibição de imperfeições – refere-se a não mostrar as próprias imperfeições, evitando, por exemplo, participar em atividades que possam revelar as fraquezas do próprio; não divulgação das imperfeições – refere-se a não compartilhar verbalmente as próprias imperfeições, evitando falar sobre os próprios erros ou dificuldades. Também neste caso, a depressão foi igualmente transversal à categorização, afetando indivíduos nos três setores.
Além da depressão, e como afirma o próprio estudo, o perfecionismo pode resultar numa “desconexão social”, ou seja, num isolamento involuntário da sociedade. A dificuldade do indivíduo perfecionista em mostrar as suas vulnerabilidades e se abrir ao outro pode levá-lo a ser encarado como distante ou antipático, dificultando a formação de vínculos afetivos. A sua constante busca pela perfeição pode levá-lo, inclusive, a alienar-se da sociedade.
“Mesmo que as pessoas com perfecionismo muitas vezes se apresentem de maneira a obter a aprovação dos outros, esses estilos de autoapresentação geralmente saem pela culatra”, explica a psicóloga e coautora Katerina Rnic à Forbes. “Isto acontece porque as pessoas que usam estilos de autoapresentação, como a autopromoção, podem ser vistas pelos outros como distantes, falsas e antipáticas. Compreensivelmente, a falta de vontade de compartilhar vulnerabilidades com os outros pode atrapalhar a formação de vínculos significativos com eles. Com o tempo, isso pode levar a sentimentos profundos de solidão e alienação”, acrescenta.
O perfecionismo pode até, muitas vezes, ter resultados opostos ao pretendido. Indivíduos perfecionistas podem acabar por não terminar de todo as tarefas que lhes são atribuídas por não serem capazes de concluir algo sem a sensação de perfeição que nunca chegam a atingir. Esta patologia pode, por isso, ser, não a qualidade valiosa que é frequentemente considerada, mas uma condição que se assume como um obstáculo no ambiente profissional, dificultando a conclusão de tarefas, criando um ambiente hostil entre colegas e na vida pessoal, resultado dessa alienação e constante comparação ao outro.
Os perfecionistas devem procurar identificar estas característica em si, reconhecendo a sua patologia, algo que os ajudará não apenas a si mesmos, já que poderão procurar ajuda psicológica, mas também aos seus filhos. Isto porque, e de acordo com um estudo publicado este ano, indivíduos que relataram ter pais com traços perfecionistas que os encorajavam incansavelmente a ser melhores, provaram ser mais propensos a incluir-se nos grupos de perfeccionistas auto-orientados, orientados para os outros e socialmente prescritos.
Como combater?
O primeiro passo para contornar qualquer patologia é reconhecê-la e diagnosticá-la. Existem, no entanto, ferramentas que podem ser utilizadas no dia-a-dia para combater os pensamentos e comportamentos associados ao perfecionismo.
Os psicólogos aconselham o perfecionista a enumerar as formas como esta patologia poderá ter afetado a sua vida, desde o sucesso profissional às relações pessoais, como reforça a Forbes. Pode ajudar colocar questões como: Se não for perfecionista, terei mais tempo para aquilo que gosto? Será mais fácil começar e concluir tarefas? Dar-me-ei melhor com as pessoas à minha volta (colegas de trabalho, conjugue, filhos)?
Poderá também ser útil tentar cometer erros, mesmo que forçados, comparando as consequências desse erro com aquelas que o perfecionista antecipou na sua mente. Muitas vezes, as consequências reais são significativamente menos graves do que aquelas que haviam sido imaginadas previamente, o que pode ajudar o indivíduo a compreender que os erros não são algo tão assustador como poderia ter pensado.
Quem tem filhos deverá também reforçar a comunicação, assegurando-lhes que o valor de uma pessoa depende não apenas do que esta faz, mas daquilo que ela é. É importante evitar comportamentos controladores e críticos, assim como é crucial ensinar as crianças a lidar com os seus erros e aprender com os mesmos, reforçando a importância do trabalho árduo em lugar da perfeição.
Finalmente, é importante que o indivíduo perfecionista procure ser aberto sobre quaisquer dificuldades pessoais que possa enfrentar e não receie pedir ajuda para ultrapassá-las.