Um novo estudo indica que beber entre 1,5 a 3,5 chávenas de café por dia, mesmo se adoçadas com uma colher de chá de açúcar, pode diminuir até 30% o risco de morte precoce. Os resultados publicados esta segunda-feira no The Annals of Internal Medicine vêm juntar-se a um corpo vasto de pesquisas que têm vindo a surgir ao longo dos anos e cujo foco são os possíveis benefícios de uma das mais famosas bebidas no mundo: o café.
O estudo contou com mais de 171 mil participantes com idade média de 56 anos que se encontravam registados no UK Biobank, um banco que reúne informações médicas de pessoas de todo o Reino Unido. Os investigadores tiveram em conta não apenas dados relacionados com o consumo de café, mas também outras variáveis que poderiam influenciar a conclusão do estudo, nomeadamente a dieta dos participantes, tabagismo, nível socioeconómico, problemas de saúde pré-existentes, exposição à poluição do ar, etnia, sexo, entre outros. Na escolha dos participantes foram excluídos, por exemplo, indivíduos com doença cardiovascular ou cancro. O período de observação teve uma duração de sete anos, entre 2009 e 2018, e comparou participantes considerados consumidores regulares de café a participantes sem esse hábito.
As descobertas sugeriram que os participantes que bebiam entre 1,5 a 3,5 chávenas de café por dia registaram um menor risco de morte durante os sete anos de análise do que aqueles que não bebiam café, sendo que 3 chávenas foi a quantidade associada ao risco mais reduzido.
Há quem goste de açúcar no café
O estudo teve ainda em conta a quantidade de açúcar adicionada ao café, concluindo que a adição de açúcar, se reduzida a uma colher de chá, não só não anula a redução no risco de morte precoce, como pode melhorar as suas percentagens. De acordo com os investigadores, os participantes que bebiam café sem açúcar registaram uma redução entre 16% a 21% no seu risco de morte precoce, enquanto que os participantes que adicionavam algum açúcar registaram percentagens entre os 29% e os 31%.
Ainda assim, os resultados não devem incentivar a que se substitua café puro por café com açúcar, assim como a interpretação dos dado obtidos nunca deve ser a de que o café com açúcar é mais saudável, assegura Christina Wee, professora de medicina na Harvard Medical School e editora adjunta da revista científica onde o estudo foi publicado, num editorial que acompanhou a investigação. “A minha maior preocupação é não equiparar isso (os resultados) a ‘Ah, eu posso beber qualquer tipo de café com muitas calorias’, porque existem outros estudos que mostram claramente que adicionar açúcar e altos níveis de calorias vazias não é bom. Portanto, façamos as coisas com moderação”, apelou. “O que este estudo está realmente a sugerir é que adicionar um pouco de açúcar não retira todos os benefícios potenciais para a saúde que o café pode ter”, acrescentou ainda Wee.
A adição de açúcar referida no estudo é, inclusive, limitada a uma colher de chá por chávena, de modo que as quantidades consideradas durante a investigação não podem ser comparadas a alguns tipos de bebida com café vendidas em cadeias como o Starbucks, realça, de acordo com o The New York Times, Eric Goldberg, professor clínico de medicina na NYU Grossman School of Medicine. “Não é a mesma coisa quando se trata de combinar isso com um café com leite, um Frappuccino, o super mocha com natas ou qualquer coisa”, assegura o professor. Um Caramel Macchiato, uma bebida com café incluída no menu da Starbucks, contém 25 gramas de açúcar, cerca de cinco vezes mais açúcar do que as quantidades consideradas no estudo, como realça o mesmo órgão de comunicação.
O estudo não chegou a qualquer tipo de conclusão no que toca a colocar adoçantes artificiais, já associados no passado a um risco acrescido de desenvolver cancro, assim como não considerou pessoas que adicionavam leite ou chantilly aos seus cafés.
Outros estudos
Os benefícios, assim como os malefícios, do café já têm vindo a ser explorados por várias equipas de investigadores ao longo dos anos, embora ainda não exista uma conclusão definitiva sobre quais serão, concretamente, os efeitos do café no organismo humano.
No passado, o café foi associado a uma redução no risco de desenvolver condições médicas como a doença de Parkinson, doença renal crónica, diabetes tipo 2 e até certos tipos de cancro. Algumas investigações procuraram, inclusive, associar os antioxidantes do café à prevenção ou ao retardar dos danos nas células e à consequente diminuição no risco de doenças, embora a ligação não seja aceite de forma igual por todos.
Tal como o estudo em causa, outras análises sugerem também a redução no risco de mortalidade ligada ao consumo de café. Um estudo de 2019 citado pela NBC News, sugere que beber entre duas a quatro chávenas de café diariamente pode reduzir o risco de morte. Uma outra investigação citada pelo mesmo órgão de comunicação concluiu que consumir entre três a quatro chávenas de café numa base diária pode reduzir o risco de morte por doenças cardíacas.
Ainda assim, e apesar do vasto corpo de pesquisa que parece sustentar a ideia de que o café é uma bebida com múltiplos benefícios para a saúde, outras investigações já vieram apontar aqueles que serão os efeitos negativos do café. De acordo com uma pesquisa de 2015, beber entre uma a quatro chávenas de café por dia traduz-se num risco acrescido na formação de coágulos sanguíneos. Outra análise aponta para o aumento nos níveis de colesterol “mau” para os consumidores de café não filtrado, ou ainda o aumento na pressão arterial a curto prazo, de acordo com um terceiro estudo, citado pela NBC News.
Um estudo conclusivo?
De acordo com Wee, a pesquisa apresentada esta segunda-feira está longe de ser conclusiva até porque, tratando-se de um estudo observacional, uma série de outros fatores difíceis de controlar pelos investigadores e ligados ao estilo de vida de cada participante poderiam ter influenciado o resultado.
Segundo Goldberg, os consumidores habituais de café têm tendência a optar por fontes mais saudáveis de cafeína preferindo o café a bebidas energéticas ou refrigerantes, ricas em açucares e vários tipos de componentes artificiais e prejudiciais à saúde, o que por si só já seria uma variável não tida em conta no estudo e que poderia influenciar o resultado. “Se consumires Mountain Dew ou Coca-Cola ou Red Bull ou todas essas outras bebidas, consomes muito mais açúcar, todas as coisas artificiais – contrariamente ao café, que geralmente é um alimento não processado”, explica.
Outra variável que afeta os resultados está relacionada com a riqueza dos consumidores. Segundo o testemunho de Naveed Sattar, professor de medicina metabólica da Universidade de Glasgow, ao The Guardian, “os consumidores de café são de um modo geral mais ricos”, o que se pode traduzir num acesso mais fácil a diferentes tipos de cuidados médicos e a um estilo de vida que, comparativamente a quem não consome café, é mais saudável. “Não estou convencido de que esses fatores possam ser superados em estudos observacionais”, admitiu Sattar.
“Eu sugiro que as pessoas tomem café ou chá, de preferência sem açúcar, ao qual a maioria das pessoas se pode adaptar, e tentem fazer todas as outras coisas que sabemos que nos mantem saudáveis – movam-se mais, comam e durmam melhor”, aconselha o professor.
Também a editora do estudo se preocupou em ressalvar que os resultados apresentados não devem servir de justificação para aumentar o consumo de café até porque, e segundo os investigadores, os benefícios descritos na publicação diminuíram quando eram consumidas mais de 4,5 chávenas de café diariamente. Mais de sete xícaras de café é uma quantidade considerada “extrema” que já foi, inclusive, associada a danos no organismo, garantiu Wee. “Estou mais confiante de que podemos dizer que beber café provavelmente não é prejudicial, talvez um pouco benéfico”, ressalva acrescentando que “se não gostas de café, não te forces a gostar”.
De acordo com dados do World Population Review, Portugal foi, no ano de 2019, um dos vinte países com o maior consumo de café no mundo, tendo, segundo um estudo desenvolvido pela Multidados sobre o consumo de café em Portugal, quase 40% da população portuguesa consumido, entre os meses de março e abril de 2020, cerca de duas chávenas de café diárias, 20,6% entre três e cinco chávenas e 20% apenas uma chávena por dia.