José Miguel, 56 anos, ia ao futebol no domingo passado, ver o seu Benfica jogar contra o Paços de Ferreira. Mesmo antes de a partida começar, dirigiu-se a um posto de testagem para a Covid-19 para poder mostrar, à entrada do estádio, mais uma negativa no seu telemóvel. Só que não. Desta vez, ainda nem tinha dado muitos passos rumo à Luz quando recebe uma chamada a avisá-lo que estava positivo.
Sem um único sintoma que pudesse tê-lo alertado para a infeção, lançou o alarme sobre a família, mulher e dois filhos adultos, e enfiou-se no quarto. Os restantes três membros continuaram à solta em casa. De nada serviu. José Miguel já havia passado a sua dose de Ómicron nos dias anteriores ao teste e, neste momento, todos estão positivos lá em casa. Todos despachados, como se costuma dizer, só com sintomas ligeiros e já a contar os (sete) dias para voltarem a sair à rua
Esta família, toda vacinada e até com doses de reforço, nem fez de propósito, e até isolou o caso positivo, mas o que realmente apetece, perante a alta transmissibilidade desta variante e a quase impossibilidade de os habitantes da mesma casa escaparem à infeção, quando um aparece com a sentença positiva, é provocar a generalização do vírus no agregado familiar e aumentar a imunidade de grupo, a ver se isto passa de uma vez por todas. Como dantes se fazia para a varicela ou a papeira.
No entanto, e como essa parece ser uma atitude a ganhar força por esse mundo fora, os especialistas já vieram hastear bandeiras vermelhas, explicando quais as razões para não se forçar uma infeção pelo vírus SARS-CoV-2. “Só um louco tentaria infetar-se com isto. É como brincar com dinamite”, advoga Robert Murphy à CNN, o diretor-executivo do Instituto Havey para a Saúde Global da Faculdade de Medicina Feinberg, na Universidade Northwestern, nos EUA. E as justificações apontadas são essencialmente quatr
1. E se nos levar à cama… do hospital?
Alguns dos sintomas mais comuns desta variante são febre, dores fortes no corpo, com especial incidência na zona lombar, gânglios inchados, dores de garganta e de cabeça, cansaço, forte congestão nasal e até diarreia. Em muitos casos, este quadro leva os doentes à cama durante vários dias. O mesmo especialista ouvido pela CNN, Robert Murphy, alerta que se trata de “uma doença potencialmente fatal.”
Um estudo recentemente publicado pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA concluiu que o risco de uma consequência grave da Covid-19 era maior em pessoas vacinadas com mais de 65 anos, imunodeprimidas ou com diabetes, doenças crónicas renais, cardíacas, pulmonares, neurológicas ou hepáticas.
Todas as outras não estão livres de ser vítimas da severidade do vírus, apesar da já se saber que, com esta variante, há menor probabilidade de sermos internados, de ficarmos nos cuidados intensivos, de sermos ligados a um ventilador e de morrer.
2. A Covid pode ser looooooonga
Além da desconfortável perda de paladar e consequente olfato, que nesta variante não parece ser a consequência mais comum, a já conhecida como Covid Longa arrasta consigo uma série de queixas duradouras, como falta de ar, fadiga extrema, febre, tonturas, confusão mental, diarreia, palpitações cardíacas, dores musculares e abdominais, alterações de humor e dificuldades em dormir.
Ainda não se sabe que sequelas pode deixar esta variante, mas pela via das dúvidas, e se possível, é preferível não sermos nós próprios a descobrir.
“Um vírus natural é sempre apelidado de ‘vírus selvagem’ e há uma boa razão para isso: está descontrolado. Nunca arrisque contrair uma infeção de um vírus natural”, avisa Paul Offit, diretor do Centro de Educação para as Vacinas do Hospital Pediátrico de Filadélfia, também nos EUA. Em última instância, não se deve desafiar a Natureza.
3. E as crianças, senhores?
Apesar de haver, em Portugal, 280 mil crianças entre os 5 e os 11 anos (o último grupo etário a ser elegível) que já levaram a primeira dose da vacina e de 90% da faixa dos 12 aos 17 estar com o esquema vacinal completo, este grupo sub-18 ainda é visto como um foco de transmissibilidade, pois normalmente não apresenta sintomas. E ainda há os mais novos, abaixo dos cinco anos, que não têm qualquer proteção para a doença. São por isso muitos os relatos de internamentos nestas faixas etárias, coisa que não acontecia noutras vagas.
E em países em que a adesão à vacina é menor do que em Portugal, a situação agrava-se. Dados da Academia Americana de Pediatria e do Centro de Controlo de Doenças, por exemplo, mostram uma tendência ascendente de infeções em crianças (na semana passada, nos EUA, foram relatados mais de 580 mil casos de Covid-19 em crianças).
4. As linhas vermelhas do SNS não devem ser pisadas
Os números de internamentos (1635, ao dia de hoje, quando ultrapassámos, pela primeira vez, os 40 mil casos) e de internamentos nos cuidados intensivos (167) são bastantes diferentes, para melhor, dos de há um ano, apesar do aumento exponencial de casos desde o final de 2021, No dia 12 de janeiro de 2021 havia 7.259 novos casos de Covid-19, mas estavam 4.043 pessoas internadas em enfermaria e 599 pessoas em cuidados intensivos. Apesar disso, a sobrecarga sobre um sistema nacional de saúde debilitado por dois anos de pandemia é sempre de evitar.
Se, em situações normais, já existe falta de pessoal, o que esperar de agora, quando os profissionais de saúde da linha de frente estão também a ser infetados e obrigados a ficar em casa, pelo menos, durante sete dias?
É, portanto, natural, que os hospitais portugueses estejam com dificuldades em completar escalas, como alertou a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, embora não haja ainda nenhum serviço que tenha sido obrigado a encerrar. Esta não é, no entanto, uma exclusividade nossa – a situação repete-se noutros pontos do mundo em que a Ómicron anda a fazer mossa.