Um novo estudo veio trazer resultados inesperados sobre a maneira como o nosso corpo queima calorias durante o exercício físico. Até recentemente, pensava-se que o processo de perda de calorias funcionava de forma aditiva. Se, por exemplo, uma hora de caminhada queimasse 100 calorias, duas horas equivaleriam a 200 calorias, e assim sucessivamente. No entanto, estudos recentes confirmaram que o processo de perda de calorias – e de peso – não é assim tão linear.
Este estudo em particular, publicado na revista científica Current Biology, indica que o nosso corpo compensa – ou seja, recupera – cerca de 28% das calorias queimadas durante a atividade física.
Uma questão de metabolismo
O processo metabólico pelo qual o nosso corpo passa durante a atividade física tem sido desde há muito objeto de estudo por cientistas do exercício. Vários estudos constataram que, muitas vezes, pessoas que começam um novo programa de treinos não perdem tanto peso como seria de esperar, tendo em conta as calorias queimadas durante os treinos, mesmo quando monitorizam de perto as suas dietas.
Um estudo particularmente influente neste domínio foi realizado em 2012, e consistiu em estudar os caçadores-recoletores da tribo Hazda, da Tanzânia, para perceber se gastavam mais energia diariamente do que uma pessoa normal de um país desenvolvido. Apesar de os habitantes da tribo terem registado níveis bastante mais altos de atividade física, o seu gasto total de energia diário não diferia muito daquele de um habitante de um país desenvolvido, com um estilo de vida relativamente sedentário.
Estes resultados foram no mínimo surpreendentes, e permitiram aos autores do estudo formular uma hipótese: talvez o gasto total de energia seja um aspeto fisiológico evolutivo, independente de diferenças culturais. E uma conclusão: os corpos dos habitantes da tribo estavam a compensar, reduzindo o gasto de energia, para garantir a sua sobrevivência enquanto percorriam grandes distâncias cada dia, em busca do seu alimento.
Apenas 72% das calorias “queimadas” são efetivamente gastas
Para aprofundar esta questão, este estudo, que contou com a participação de dezenas de cientistas, reuniu dados de 1754 participantes adultos. Os participantes beberam água duplamente marcada, o indicador mais usado em pesquisas metabólicas. A água duplamente marcada contém isótopos ativos de hidrogénio e oxigénio, que são misturados com a água corporal. Através de análises à urina (ou outros fluidos corporais), é possível medir a diminuição dos valores de hidrogénio e oxigénio e, a diferença entre os dois é utilizada para estimar a produção de dióxido de carbono e o gasto energético. Este método permite aos cientistas saber qual o gasto energético acumulado – ou seja, o número de calorias queimadas – a cada dois dias.
Além dos dados da água duplamente marcada, foi medida a composição corporal dos participantes (peso, índice de massa corporal, massa gorda, etc.) e o seu gasto de energia basal (o número de calorias que uma pessoa queima só por estar viva, para manter os sistemas internos em funcionamento, mesmo que não esteja em atividade). Subtraindo os números basais do gasto total de energia, os cientistas chegaram a um número aproximado do gasto de energia em exercício físico (embora estivesse incluído neste número outro tipo de movimento, como estar de pé, andar ou fazer outras atividades).
De seguida, usando métodos estatísticos, os cientistas tentaram descobrir se as calorias queimadas durante a atividade física aumentavam proporcionalmente o gasto total de energia diário. Tal não aconteceu. De facto, os cientistas descobriram que a maioria das pessoas parecia estar a queimar apenas 72% das calorias, em média, em relação ao que era esperado, tendo em conta os seus níveis de atividade.
“As pessoas parecem estar a compensar as calorias adicionais gastas durante o exercício em cerca de um quarto” diz Lewis Halsey, professor na Universidade de Roehampton em Londres e um dos autores principais do novo estudo.
Mas os cientistas descobriram algo ainda mais inesperado: nos participantes com níveis mais altos de gordura corporal, os níveis de compensação de energia aumentavam ainda mais. Estas pessoas tendiam a compensar 50% ou mais das calorias queimadas durante a atividade física.
As pessoas com idade mais avançada também registaram níveis de compensação mais altos; e, em particular, as pessoas que sofrem de obesidade. Para estas pessoas, perder peso através de atividade física será substancialmente mais difícil do que para uma pessoa com um peso saudável.
Numa tentativa de explicar o porquê deste fenómeno, os cientistas afirmam no estudo: “Provavelmente, esta compensação era uma forma de adaptação dos nossos antepassados, porque minimizava as exigências de energia alimentar e, consequentemente, reduzia o tempo necessário para a procura de alimentos, cujas vantagens podem incluir a redução da exposição a predadores”. E este processo de preservação de energia não acontece exclusivamente em seres humanos. “Tanto os seres humanos como os animais podem responder a um maior gasto de energia em actividades a longo prazo, reduzindo a energia gasta noutros processos”, continuam.
Esforço em vão?
No entanto, estas descobertas não devem desencorajar ninguém de praticar desporto. Não significa que os treinos não “contem”; o que sucede é que o organismo “compensa” o gasto de energia adicional provocado pelo exercício, reduzindo o gasto de energia basal durante os períodos do dia em que não estamos ativos. E mesmo as pessoas que compensam uma maior percentagem das calorias gastas na atividade física, estarão mesmo assim a queimar mais calorias do que se estivessem inativas.
Além do mais, qualquer tipo de atividade física é melhor do que estar inativo, já que queimar calorias e perder peso não são de todo os únicos benefícios da atividade física. Prevenção de inúmeras doenças, fortalecimento da saúde cardiovascular e até benefícios para a saúde mental contam-se entre as vantagens de praticar desporto.
De acordo com Halsey, o problema está em olhar para o desporto como o único caminho para a perda de peso. O gasto de calorias através do exercício tem um limite; para perder peso, o mais importante é que alteremos os nossos hábitos alimentares. “Uma meia bolacha ou uma meia lata de refrigerante” após uma caminhada de meia hora, e teremos consumido mais calorias do que gastámos, independentemente do quanto compensamos, diz.