Quando falamos em pessoas que são “short sleepers” pensamos de imediato em Marcelo Rebelo de Sousa. Com uma inteligência apuradíssima, uma capacidade intelectual fora de série e resposta pronta na língua, dificilmente achamos que o nosso Presidente da República sofre de privação de sono. Não tem memória “curta” ou redução da capacidade de atenção, como vemos, por exemplo, nos pais com bebés pequenos. Pelo contrário, é muito ativo, aproveita a noite para ler, espalha boa disposição e encara a vida com otimismo.
Essas mesmas características foram observadas noutros indivíduos que dormem pouco à noite, ou seja, menos de seis horas, quando o recomendado para um adulto é um mínimo de sete horas. Ao mesmo tempo que descobriram uma mutação num gene – o DEC2, que regula a duração do sono nos mamíferos – que será a responsável pela necessidade de dormir pouco, os cientistas elencaram uma série de características comuns dos “short sleepers” que andaram a estudar: são personalidades do tipo A, altamente produtivas, ambiciosas, positivas, motivadas e com uma memória fenomenal.
Mas vamos por partes. Primeiro, o gene. Citemos a CNN, que falou com investigadores e com uma família numerosa que foi estudada, na qual vários membros são “short sleepers”. Além da mutação no DEC2, os professores de neurologia Chris Jones e Ying-Hui Fu encontraram dois outros genes – mutações no ADRB1 e no NPSR1 – que alteram neurotransmissores no cérebro humano, provocando o tal sono curto. A investigação passou também pela elaboração de testes em ratinhos, introduzindo-lhes estas mutações genéticas, e o resultado foi o mesmo: dormiam pouco, mas nem por isso a sua saúde era afetada.
Atenção que não estamos a falar de insónias, sono “leve” demais ou outros distúrbios, cujos efeitos na saúde (física e mental) são evidentes e por demais estudados. Esta investigação foca-se apenas naqueles que não têm, de facto, necessidade de dormir as oito horas convencionais e vivem bem com isso. Os Johnsons, uma família mormon numerosa que a CNN entrevistou, são um caso exemplar neste estudo.
“Se me pagassem um milhão de dólares para eu dormir oito horas, simplesmente não conseguiria”, diz Brad Johnson, um dos vários irmãos que dormia cinco horas e acordava fresco e bem disposto para enfrentar o dia. Como se deitavam cedo e acordavam de madrugada, os irmãos aproveitavam para ler tudo a que deitavam mão, além de fazerem os trabalhos de casa.
Tal como o pai, os irmãos levantavam-se com muita energia, super motivados e com uma boa disposição invejável. Ou, como diz uma irmã, uma boa disposição irritante para quem não partilha da mesma mutação genética. “Os ‘short sleepers’ não se limitam a acordar; são super motivados. É uma tortura para eles estar sem fazer nada. Muitos correm maratonas. A motivação não é apenas física, mas também psicológica: ‘Vou fazer isto’. E é incrível”, afirmou Chris Jones. Entre as pessoas que a sua equipa estudou, 90 a 95% dos “short sleepers” partilha estas mesmas características, que foram observadas também nos ratos com mutações genéticas – ficavam mais ativos e produtivos do que os outros.
Os Johnsons confessam que estas descobertas representaram um alívio grande nas suas vidas. Pois embora acordassem cheios de energia e não sofressem falhas de memória, o peso de dormir pouco era omnipresente, com tantos estudos a mostrar como a privação do sono é prejudicial.
O sono curto parece também não afetar a vida de Marcelo Rebelo de Sousa, mas o Presidente garante que o seu caso não tem a ver com genética uma vez que nem sempre foi assim. Até aos 16 anos, dormia as oito horas recomendadas. Isso mesmo contou à plataforma digital iSleep – Centro de Eletroencefalografia e Neurofisiologia Clínica Professora Teresa Paiva.
Ali, Marcelo Rebelo de Sousa contou alguns episódios divertidos relacionados com o sono, que não resistimos a citar aqui. “No meu terceiro ano do curso de Direito fiz várias diretas para preparar as escritas de Finanças e Direito Fiscal, que eram seguidas. Na noite do segundo exame, um grupo arrancou-me de casa para ir ao cinema, a uma estreia de um filme francês da Nouvelle Vague. Sentei-me no cinema, adormeci e não vi nada, nem dei pelo intervalo, nem acordava no final. Tiveram de me levar, literalmente, ao colo para casa. Outra vez, nas idas do Expresso para casa, eram seis e meia da manhã e adormeci ao volante. Desacelerei e choquei suavemente num candeeiro da Marginal, onde fiquei a dormir uns minutos, até acordar e reatar o meu caminho. Muito mais tarde, tentaram convencer-me a tomar melatonina para aguentar melhor o ajustamento ao jetlag. Tomei e deu-me uma tal espertina que andei dias a fio sem dormir nada. Isto no início dos anos noventa.”