Os alimentos picantes têm sido responsabilizados por causar úlceras pépticas, que são feridas no revestimento do estômago ou duodeno e cujos sintomas variam consoante a localização da úlcera. Hoje sabemos que os verdadeiros culpados por estas úlceras são a presença da bactéria Helicobacter pylori e a toma continuada de determinados fármacos, como antiagregantes plaquetários (como aspirina) e anti-inflamatórios não esteroides (como ibuprofeno, nimesulide, naproxeno, entre outros). Da mesma forma, comer alimentos condimentados não causa refluxo gastroesofágico, uma condição crónica na qual o conteúdo do estômago reflui para o esófago. O ácido do estômago pode irritar e esófago e causar azia, a sensação de queimor no peito e/ou na garganta.
A comida apimentada é má para o aparelho digestivo?
Uma refeição picante não é necessariamente má para o aparelho digestivo, mas pode desencadear sintomas nas pessoas que têm problemas digestivos, tais como: a doença de refluxo gastroesofágico, a gastrite, a úlcera gástrica ou a úlcera duodenal, a síndrome do intestino irritável e agravar a patologia hemorroidária ou as fissuras anais. Simplificando, os alimentos picantes não causam doenças do aparelho digestivo mas podem exacerbar as queixas se já tem problemas identificados.
Embora os alimentos picantes não provoquem úlceras, eles podem causar dor ou desconforto abdominal nalgumas pessoas. Um estudo destacou especificamente que o consumo frequente de alimentos condimentados pode desencadear sintomas gastrointestinais superiores nalgumas pessoas com queixas de má digestão. Para pessoas com síndrome do intestino irritável, os alimentos condimentados também podem desencadear sintomas. Outro estudo mostrou que “aqueles que consomem alimentos condimentados dez ou mais vezes por semana têm 92% mais probabilidades de ter uma síndrome do intestino irritável em comparação com aqueles que nunca consumiram alimentos condimentados”. Em pessoas com doença inflamatória intestinal (doença de Crohn ou colite ulcerosa), os alimentos condimentados também podem desencadear alguns sintomas.
Ironicamente, há alguma evidência de que a capsaicina, o composto químico responsável pela ardência da pimenta ou do pimentão, tende a prevenir e acelerar a cicatrização de úlceras gástricas. E que este fenómeno reflete a capacidade de a capsaicina inibir a secreção de ácido gástrico e aumentar a secreção de muco. E, de facto, alguns estudos sugerem que as úlceras são menos comuns em populações que preferem alimentos condimentados, mas a epidemiologia é ainda limitada para tirarmos conclusões robustas. Os estudos mais relevantes mostram que os sintomas gastrointestinais superiores são mais comuns em indivíduos com maior consumo de alimentos condimentados, idade mais jovem e sexo feminino, independentemente do status da infeção por Helicobacter pylori. Mostra, também, que os alimentos ricos em capsaicina podem induzir a sensação de plenitude do estômago.
A saúde digestiva de cada pessoa é única e exclusiva. Os alimentos picantes podem causar uma dor de estômago nalgumas, uma azia intensa noutras e, no entanto, outras pessoas ficam completamente confortáveis e sem qualquer queixa após a sua ingestão. Se tem uma gastrite, uma doença de refluxo, uma síndrome do intestino irritável, é normal que se sinta mais desconfortável e reinicie ou exacerbe os seus sintomas habituais. Um outro aspeto muito importante é o seguinte: às vezes não é o tempero que causa os problemas digestivos, mas os outros alimentos que comeu na mesma refeição. Por exemplo, se comer um bom bacalhau frito com batatas fritas pode sentir desconforto digestivo, azia ou enfartamento, devido à ingestão dos fritos, ricos em gordura, mesmo na ausência de picantes. Por outro lado, após um cabrito assado, bem temperado, podem surgir algumas queixas digestivas como azia, sensação de inchaço ou muitos gases. Ou seja, os sintomas digestivos podem ser devidos apenas ao teor de gordura da refeição, e não exclusivamente à parte dos condimentos, mais ou menos picantes. De facto, se gosta do sabor da comida picante e o seu estômago não se incomoda com isso, não há qualquer razão para não usufruir da mesma. Se, por outro lado, se sente desconfortável com os picantes mas os aprecia, elimine-os todos da sua dieta. E, depois, vai reintroduzindo gradualmente evitando eliminar desnecessariamente aqueles que não lhe provocam qualquer sintoma digestivo.
Mitos
Um dos mitos mais comuns é que a ingestão de alimentos picantes pode provocar úlceras no estômago ou no duodeno.
Não, não terá uma úlcera péptica (estômago ou duodeno) se comer comida picante.
Sim, se já tem uma úlcera péptica, os picantes podem agravar os seus sintomas.
Antes de dizer sim ou não a um molho picante considere o seguinte:
Se não tem nenhum problema digestivo, é provável que o tempero seja um componente perfeitamente aceitável na sua dieta, se o aprecia e não tem quaisquer queixas digestivas após a sua ingestão.
Se tem problemas digestivos, como refluxo de ácido, uma gastrite, uma úlcera ou distúrbios intestinais, é natural que a comida picante faça com que as queixas se manifestem ou agravem e então deve evitá-los.
Se identifica alimentos picantes que lhe causam queixas digestivas, na ausência de doenças do aparelho digestivo, como azia, gases, diarreia ou prurido anal, obedeça ao seu sistema digestivo e evite-os.