João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e coordenador do estudo sobre a diversidade genética do novo coronavírus em Portugal, adiantou hoje, na já habitual reunião que junta especialistas e membros do executivo, na sede do Infarmed, que, ao contrário de países como o Reino Unido, Irlanda e Dinamarca, Portugal conseguiu entrar num patamar de estabilização relativamente à transmissão da variante B.1.1.7, comumente apelidada de variante do Reino Unido.
Apesar de considerar que esta é, atualmente, a variante que “domina e dominará os cenários epidemiológicos dos países onde entrar”, o investigador revelou que, de acordo com a monotorização semanal levada a cabo pelo INSA, no nosso País, ao contrário dos esperados 65% de infeções causadas pela variante inglesa, na semana passada estas representavam apenas 48% do número total de infeções ,“e não tem demonstrado uma tendência crescente”. João Paulo Gomes não deixa de sublinhar que tal aconteceu “graças ao confinamento rígido que estamos a viver”.
O INSA estima ainda que, “desde 1 de dezembro até ontem, terão ocorrido 150 mil casos de covid causados pela variante do Reino Unido”.
De acordo com João Paulo Gomes, as medidas restritivas adotadas recentemente foram decisivas para a quebra drástica da curva de infeções provocadas pela variante inglesa, uma vez que, apesar de estarmos a assistir a uma redução do número de casos, seria expectável que a prevalência da variante do Reino Unido, sendo mais transmissível, “aumentasse exponencialmente”, mas não foi isso que foi observado. O distânciamento social, uso de máscaras e confinamento rigoroso permitiram, assim, “bloquear todas os processos de transmissão secundária, para além da transmissão primária que se continua a observar diariamente”.
Referindo que tal só é possível num confinamento muito rígido, como o que estamos a viver, o especialista alerta para o facto de a variantedo Reino Unido continuar em circulação, mesmo quando desconfinarmos. “Podemos assistir a um novo crescimento exponencial deste tipo de variante” nessa altura e, por isso, é preciso desiquilibrar o desconfinamento, “que permite às variantes mais transmissíveis de voltarem a ter o seu caminho de crescimento exponencial”, com a tão desejada imunidade de grupo, “atingida não só pelo processo de vacinação massiva, como pelas centenas e centenas de portugueses que já foram infetados”.
Variante de Manaus já está em Portugal
Até dia 22 de fevereiro, além dos quatro casos identificados em Portugal causados pela variante da África do Sul, João Paulo Gomes revelou ainda que foram identificados, ontem, sete casos de Covid-19 associados à variante genética primeiramente detetada no Brasil, em particular na região de Manaus (Amazónia). “Não estamos a falar de sete introduções distintas, mas apenas de uma. Trata-se de dois clusters familiares ligados entre si, ou seja, uma única cadeia de transmissão em vez de sete”, explicou o investigador, considerando o facto uma boa notícia.
A principal preocupação dos especialistas prende-se essencialmente com a mutação 501, comum às variantes do Reino Unido, África do Sul e Brasil, relacionada com a sua maior transmissibilidade. “É este o problema das variantes que aparecem com esta mutação, que potencia a entrada do vírus e consequentemente uma muito maior replicação viral, carga viral e maior taxa de transmissão”.
Também a mutação 484, presente nas variantes da África do Sul, Manaus e “identificada em alguns clusters da variante do Reino Unido”, levanta preocupações. “Esta mutação altera o reconhecimento de alguns dos anticorpos que nós geramos no decurso de uma infeção por SARS-CoV-2”, podendo comprometer a eficácia de algumas vacinas. João Paulo Gomes alertou para o facto de estas serem apenas duas das mutações que podem surgir num vírus com uma grande capacidade de adaptação. “Estamos a falar de mutações que garantidamente asseguram uma vantagem tremenda a este vírus e é com isto que temos de lidar”, advertiu em tom de despedida.