Se o desconfinamento dependesse apenas dos números da pandemia, o País estaria pronto para o fazer dentro de pouco tempo. “Pelos dados epidemiológicos, podia-se começar a desconfinar já no final de fevereiro, início de março”, defende Carlos Antunes, o matemático e investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que tem desenvolvido um trabalho de análise da pandemia com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. No entanto, a situação dos hospitais é bem diferente, e obriga a mudar o cenário e adiar a abertura, avisam os médicos. Segundo João Gouveia, Presidente da Associação de Médicos Intensivistas, só quando, “o número de doentes em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) baixar para 245” se pode avançar para um desconfinamento. Um valor muito distante do cenário atual, em que há 962 doentes nas UCI de todo o País.
“Pelas nossas contas, só baixará dos 250 doentes em UCI na última quinzena de março”, esclarece o investigador da Faculdade de Ciências. Ou seja, o impacto do confinamento não é tão rápido nos serviços de saúde como na propagação do vírus.
Em janeiro os casos chegavam aos 12 mil, 19% dos testes feitos eram positivos e o Rt estava muito acima de 1. No final de fevereiro, as estimativas apontam para menos de mil contágios por dia, um Rt menor de um e uma taxa de 5% de positividade
Neste momento, o Rt (índice de transmissão), que indica, em média, quantas pessoas são contagiadas por cada infetado, está já nos 0,7 – muito longe do 1, o valor acima do qual significa que a pandemia está em crescimento. A 16 de janeiro, quando o Governo iniciou o confinamento, o Rt situava-se nos 1,15. Já quando o Rt desce é sinal de que os contágios estão a diminuir e a situação a ser controlada.
Aliás, nota Carlos Antunes, o número de contágios diários desceu radicalmente no último mês. “Em média, há agora 1.700 contágios por dia”. Uma queda abrupta desde 22 de janeiro, dia em que se fecharam as escolas e que o número de casos foi de 12.300.
Já outro valor importante para a análise epidemiológica é o da positividade, isto é, a taxa de resultados positivos pelo total de testes realizados. “Neste momento está nos 8%”, indica ainda o investigador, admitindo que ainda se situa acima do patamar de 5% definido como desejável pela Organização Mundial de Saúde. “Mas no final de fevereiro conseguimos atingir esse valor”, acredita. Em janeiro, o número de positivos por testes chegou aos 19%.
Segundo o especialista, se a situação se mantiver a este ritmo, no final do mês todos os critérios epidemiológicos que definem a sua análise de risco darão luz verde para iniciar o desconfinamento. De acordo com Carlos Antunes, nessa altura haverá menos de 1000 casos por dia, o número de resultados positivos no total de testes feitos não ultrapassará os 5% e o Rt continuará inferior a 1. Mas, como ficou claro na última reunião do Infarmed, onde os especialistas e políticos debatem a situação da pandemia, aos valores sobre a propagação da Covid-19 têm agora de se acrescentar os dados relativos aos hospitais.
E os vários especialistas de Medicina Intensiva têm deixado claro que só é possível desconfinar quando as unidades de saúde estiverem numa situação de mínima segurança. “Para se poder desconfinar é preciso baixarem os indicadores globais da população, mas também os índices dos hospitais, como os do internamentos e da medicina intensiva”, diz João Gouveia, acrescentando: “Além disso, temos de antecipar a entrada de doentes nas UCI, pois com a abertura haverá mais pessoas a necessitar dessas unidades, como por exemplo as vítimas de acidente que agora não existem tanto por se estar em confinamento”.
Pelas suas contas, não podem existir mais de 245 camas ocupadas com pacientes com Covid nas UCI, para se desconfinar e manter os serviços hospitalares a funcionar com segurança. Um valor bem distante dos 962 doentes que nesta quinta-feira, 18 de fevereiro, estavam naquelas unidades com Covid-19.
Também Artur Paiva, presidente do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, considera que, o valor acima de 250 doentes com Covid nas UCI desaconselha o desconfinamento. A razão, segundo explica, é simples. No País há neste momento 1371 camas de UCI (962 com doentes Covid-19), mas Artur Paiva estima que só cerca de 700 possam depois continuar a funcionar “ com médicos e enfermeiros adequados para o tratamento”. Assim, acrescenta, “sabendo que 400 dessas camas têm de ficar para os outros doentes não Covid, e que as taxas de ocupação não devem ultrapassar os 80 a 85%”, facilmente se percebe que o número de doentes com Sars-Cov2 não pode ser superior a 250.
Contratações de novos profissionais para UCI
Neste momento está, aliás, a ser feito um levantamento dos dados nacionais relativos aos Cuidados Intensivos. Ou seja, está a tentar definir-se o cenário que vai permanecer nesses serviços depois de os hospitais começarem a funcionar normalmente. De acordo com Artur Paiva, é preciso esclarecer quais das mais de 1300 camas que estão a funcionar agora são transitórias (e que têm de deixar as UCI e voltar ao seu local e função) e as que são sustentáveis e podem continuar ativas – o que depende da disponibilidade de espaço, mas também da existência de profissionais especialistas.
Feitas as contas, e apesar de se ter melhorado o panorama das 630 camas de UCI em todo o País que existiam em janeiro de 2020, Artur Paiva avisa que ainda se vai ficar longe das 900 – o número ideal para ficar dentro da média europeia.
Um dos problemas é a falta de profissionais. Aliás, nota o responsável da Ordem dos Médicos, para se enfrentar a pandemia e aumentar as camas está a recorrer-se a outros profissionais que vão, entretanto, ter de regressar à sua área de atuação.
Por isso, e para garantir que Portugal passa a ter mais camas de UCI do que tinha no início, o governo prepara-se para contratar mais profissionais para as UCI, adianta por seu lado, João Gouveia. , explicando que a questão dos espaços parece menos problemático. “O Hospital Fernando da Fonseca construiu um local e tem 16 novas camas, o Hospital de Santa Maria remodelou uma área para ter mais 14 e o Hospital de Matosinhos fez uma ampliação para ganhar 11”, detalha João Gouveia.
Sejam quais forem as contas, os especialistas são unânimes quando referem que um desconfinamento sem os hospitais estarem preparados pode ser fatal. “Apesar de a pandemia em números estar a ser controlada seria um risco muito elevado não colocar os cuidados intensivos como critério”, concorda também o investigador Carlos Antunes, lembrando que os médicos estão exaustos. “Uma quarta vaga seria um colapso total”.