A “Covid-19 de longa duração” continua a levantar várias questões para os cientistas de todo o mundo. Em outubro, um estudo realizado em Inglaterra revelou que os efeitos a longo prazo do vírus podiam ser causados por quatro síndromes diferentes e tinham impacto na respiração, no cérebro e no sistema cardiovascular. Segundo a coordenadora do estudo, existia uma “perceção generalizada” sobre o vírus da Covid-19 “de que as pessoas morrem, vão para o hospital ou recuperam depois de duas semanas.” No entanto, avisou a médica, “começa a ser claro que, para algumas pessoas, existe um caminho diferente, de efeitos de longa duração.” Estes sintomas variavam de pessoa para pessoa: desde cansaço, falta de ar e dores musculares à perda de olfato, problemas de memória ou até queda de cabelo – mas será que têm afetado desproporcionalmente as mulheres?
Também em outubro de 2020, Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), confirmou que já se tornava claro que a recuperação da Covid-19 podia demorar meses, embora ainda não se pudesse ainda precisar o número exato de pessoas que sofrem efeitos a longo prazo, que podiam ser “de qualquer género ou idade”. A ênfase dada pelo líder mundial na questão do “género e idade” pode não ter sido feita ao acaso, uma vez que, uma semana antes, um estudo publicado por investigadores do King’s College de Londres sugeria que as mulheres entre os 50 e 60 anos tinham um maior risco de desenvolver Covid-19 de longa duração.
Neste estudo, que ainda aguarda revisão pelos pares, foram analisados os dados de 4.182 utilizadores de uma aplicação digital na qual são relatados os sintomas da Covid-19. Segundo as conclusões dos investigadores, as mulheres demonstravam ter o dobro da propensão para sofrer de sintomas de longa duração, durante mais de um mês, do que os homens – mas apenas até aos 60 anos. A partir dessa idade, os resultados passavam a ser semelhantes. Contudo, ainda que sem olhar ao género da pessoa, a idade demonstrou ser outro fator associado à Covid-19 de longa duração: 22% das pessoas com mais de 70 anos tiveram sintomas durante mais de um mês, por oposição a apenas 10% dos utilizadores entre os 18 e 49 anos.
Nas suas descobertas, os investigadores deram particular ênfase ao caso das mulheres entre os 50 e 60 anos: este grupo parecia ter uma probabilidade oito vezes maior de experienciar sintomas de longa duração que a faixa etária dos 18 aos 30 anos. Por sua vez, as mulheres entre os 40 e 50 anos tinham o dobro da propensão de desenvolver Covid-19 de longa duração que os homens da mesma idade. Assim, verificaram uma estranha ligação entre o sexo feminino e sintomas do vírus que duravam mais de um mês – faltava saber o que é que o podia justificar. A aposta de Tim Spector, um dos coordenadores do estudo, é a de se tratar de um padrão semelhante ao das doenças auto-imunes, que atingem três vezes mais mulheres do que homens. “Doenças como a artrite reumatóide, complicações da tiróide e lúpus são duas a três vezes mais comuns nas mulheres até antes da menopausa – depois, os números tornam-se semelhantes [entre homens e mulheres]”, explicou o investigador ao The Guardian.
Novos relatos
Há quatro meses, Tedros Adhanom descartou a hipótese de a Covid-19 de longa duração afetar pessoas de determinada idade e género. Provavelmente, a Organização Mundial de Saúde prefere esperar por conclusões científicas mais robustas que apoiem o estudo dos investigadores de King’s College antes de se pronunciar com certezas sobre o assunto. No entanto, os relatos sobre a prevalência de sintomas de longo prazo em mulheres têm vindo a multiplicar-se desde outubro, ecoando as conclusões do estudo de Inglaterra.
O The Lily, uma publicação do Washington Post dedicada a mulheres, veio dar a conhecer alguns destes relatos. Ryan Hurt, um médico da Mayo Clinic, nos EUA, afirmou que cerca de 10% dos 20 mil pacientes que testaram positivo para a Covid-19 sofreram de sintomas de longa duração. Entre estes, 60% a 80% são mulheres, relatou o próprio. Também Diana Berrent, fundadora da Survivor Corps, um grupo de ajuda a doentes de Covid-19 de longa duração, afirmou que, dos seus 150 mil membros, 82% são mulheres e 18% são homens. Por sua vez, Amy Watson, fundadora de outro grupo com o mesmo intuito – o Long Haul Covid Fighters – disse que cerca de 80% das pessoas do seu grupo são mulheres.
Os médicos continuam sem compreender o porquê destes números – e se são totalmente fiáveis. Vários peritos rejeitam, para já, afirmar com toda a certeza que as mulheres sofrem mais de Covid-19 de longa duração do que os homens. “Segundo a minha experiência, as mulheres tendem a estar mais a vontade que os homens em serem mostrar vulnerabilidade e falar sobre as dificuldades por que estão a passar”, explicou o psicólogo James C. Jackson ao The Lily, abrindo a hipótese de estes grupos terem mais mulheres porque elas têm menos complexos em pedir ajuda que os homens. Também Meghan Beier, uma neuropsicóloga da Johns Hopkins University, avisou que estes dados podem ser a combinação de vários fatores diferentes: “sabemos que, na população geral, a ansiedade é mais prevalente nas mulheres, o que pode ser uma das razões que justifica este impacto diferente da Covid-19 nos pacientes.”
Perante estas diferentes opiniões e conclusões médicas, o mais prudente será aguardar por conclusões científicas que permitam atingir uma resposta consensual entre os peritos. Recentemente, a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) lançou um estudo nacional nos EUA que irá investigar a fundo as peculiaridades da Covid-19 de longa duração. Não há tempo a perder: as suas descobertas podem ser essenciais para ajudar milhões de pessoas que ainda não se livraram do vírus, passados vários mês.