“O mês de janeiro foi um mês muito mau em termos de Saúde Pública, em Portugal”, afirmou o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, na reunião sobre a situação epidemiológica do nosso País, que juntou, hoje, especialistas e membros do Governo na sede do Infarmed, em Lisboa.
A fim de evitar voltar à situação vivida no último mês, o epidemiologista considera essencial uma mudança da “estratégia gradualista” que tem sido usada no combate à pandemia. “Lemos os indicadores epidemiológicos que chegam com sete dias de atraso, adotamos medidas que demoram 15 dias a mostrar resultados, normalmente estas não são suficientes e temos de tomar novas medidas”, comenta Manuel Carmo Gomes, descrevendo a situação atual como “o resultado de andarmos constantemente atrás da epidemia”.
A estratégia de combate que tem sido adotada pelo Governo é, segundo Carmo Gomes, perigosa, pois o novo coronavírus cresce de forma exponencial e “podemos andar um mês com a sensação que conseguimos, com medidas gradualistas, ter a epidemia sob controlo”, quando tal não aconteceu. E exemplifica, “fomos para o Natal com, aproximadamente, 3500 casos por dia, mas um descuido de apenas cinco dias, com um Rt de 1,1, fez com que chegássemos, em seis semanas, a 12 mil casos”.
Para Carmo Gomes, de setembro a novembro, a adoção de medidas de confinamento graduais fizeram com que “andássemos constantemente sem conseguir travar de forma definitiva o crescendo da epidemia”. Perante a resposta “insuficiente”, o epidemiologista defende, à semelhança de mais 871 cientistas europeus, que é necessária “uma resposta agressiva guiada por critérios objetivos”.
Comparando o comportamento do vírus a uma mola, Carmo Gomes assegura que, se não se fizer peso sobre a mesma, esta salta. Assim, a estratégia deve centrar-se na testagem que poderá “pressionar” esta mola em lugar de confinamentos sucessivos. “A testagem é a arma principal que devemos usar e não o confinamento”.
“Três linhas vermelhas”
Dentro deste tipo de estratégia, o epidemiologista sugere “três linhas vermelhas” que, se forem ultrapassadas, deverão dar origem ao aumento de testagem, a fim de evitar o confinamento. “Não podemos ter um Rt superior a 1,1 durante muitos dias, temos de ter uma percentagem de testes positivos que não permita a positividade de chegar aos 10% e devemos ter uma incidência que não ultrapasse a capacidade de gerir os doentes Covid e não Covid, neste caso os dois mil novos casos, 1500 pessoas hospitalizadas e 200 pessoas em UCI”.
Se conseguirmos, através da testagem, identificar as pessoas infetadas ainda antes de estas manifestarem sintomas, Manuel Carmo Gomes defende que “podemos ter uma resposta forte à epidemia sem ter de submeter o país a uma situação como a que estamos agora”. Relembrando a última reunião do Infarmed, a 12 de janeiro, o epidemiologista afirmou que, nessa altura, com 9900 casos por ida e 17% de positividade, o país já se encontrava “claramente acima de todas as linhas vermelhas sugeridas”.
Regras de confinamento objetivas e conhecidas por todos foi o que Carmo Gomes mais defendeu ao longo do encontro, alertando para o facto que estarmos longe de poder aligeirar as atuais medidas de confinamento, “porque estamos longe de atingir todos os objetivos que sugeri”.
Desta forma, o especialista considera prioritário reduzir o número de casos muito depressa e não permitir que a curva epidémica suba, além de “ganhar tempo para conseguirmos vacinar o maior número possível de pessoas o mais depressa possível”, tempo esse que Carmo Gomes não tem dúvidas ser algo que “precisamos desesperadamente”.
Ao longo do mês de janeiro, os dados mostram ainda que as faixas etárias com maior risco de infeção foram os adultos entre os 18 e 24 anos e os maiores de 80 anos, seguidos do grupo de população ativa entre os 25 e os 65 anos de idade e dos jovens dos 13 aos 17 anos.
Manuel Carmo Gomes frisou que a velocidade com que, neste último mês, os casos de Covid-19 estavam a ser adquiridos, nas várias faixas etárias, causou surpresa, referindo, no entanto, que “entre 15 e 22 de janeiro houve um estacionamento da velocidade de contágio, reflexo da estagnação de contactos que existiu a partir do dia 7 de janeiro”.
No entanto, só a mais de metade do mês, no dia 22, a velocidade com que os casos estavam a ser adquiridos começou a descer. Manuel Carmo Gomes não tem dúvidas que, caso nos mantivéssemos com um confinamento ligeiro, “íamos ter um pico mais longe, mais alto e mais prolongado” e que a descida registada, sobretudo duas semanas após a decisão do Conselho de Ministros em aplicar medidas mais restritivas, como o fecho das escolas, é “que causaram finalmente uma descida da velocidade de aquisição de novos casos em direção a zero”.