Na adolescência existem duas tarefas básicas: a definição da identidade e a aquisição de autonomia. Assim, neste caminhar de descoberta, podem ocorrer dificuldades – “o que é ser normal”, “o que esperam de mim”, “o que eu espero dos outros”, “serei aceite”… –, e uma forma não adaptativa de lidar com o sofrimento são as autolesões (automutilações).
A autolesão é um ato voluntário, geralmente a sós e associado à tentativa de alívio de um grande mal-estar. No momento, a dor física “minora” a dor psicológica, numa sensação de controlo de uma dor “interna” que, muitas vezes, “não se percebe” ou “não se consegue dominar”. Este comportamento pode também ser uma forma de comunicação (faço o mesmo do que os outros – integração e aceitação – ou para que os outros percebam que se está a sofrer, num pedido de ajuda não expresso). Frequentemente, após o corte, surgem sentimentos de culpa ou de arrependimento.
As autolesões incluem cortes/abrasões, o puxar e arrancar cabelos, as queimaduras, a ingestão de substâncias (medicamentos, tóxicos), o interferir com a cicatrização de feridas (escarificação), associadas ou não a ideação suicida. O seu significado pode ser muito diferente de acordo com a causa que o motivou:
• Pressão / integração do grupo pares; mudança de escola; por mímica de comportamento de alguém próximo; consumos
• Sites de internet promotores de automutilação (em situações de isolamento e de maior fragilidade psicoafetiva);
• Para obter ganhos secundários / resposta a sanções e a castigos dos pais (oposição e impulsividade);
• Término de um namoro / gravidez ou receio de doenças sexualmente transmissíveis;
• “Mal-estar psicológico” (ansiedade e depressão, identidade e orientação sexuais, bullying, abuso sexual / violência familiar, morte de um familiar / alguém próximo, doenças do comportamento alimentar);
• Doenças crónicas (ex: diabetes mellitus tipo 1, doenças reumatológicas);
Na maioria das situações, o adolescente esconde as marcas corporais e não pede ajuda, por vergonha, por achar que será conotado como “fraco ou frágil” ou porque tem uma verdadeira ideação suicida. Nem sempre as autolesões estão associadas a ideias de morte ou de suicídio, mas implicam sempre um sofrimento ou um processo não adaptativo. Assim, é imperativa uma avaliação por um profissional de saúde para estabelecimento do risco e definição de uma intervenção individualizada.
Como geralmente as autolesões são ocultas, os pais devem estar atentos a vários sinais de alarme, como: absentismo escolar, inversão dos ciclos de sono, isolamento social e familiar, descuido de si próprio, deixar de fazer refeições, abandono de atividades que antes eram prazerosas, mudança brusca de amizades, discurso sobre a morte, desesperança, longos períodos na internet, discurso incoerente / alucinações, agressividade com os outros; queixas orgânicas recorrentes (dor abdominal, dores de cabeça, cansaço…).
Perante estas situações, os pais devem:
• Pedir ajuda (família / amigos/técnicos de saúde);
• Informar a escola;
• Envolver os vários adultos de referência na vida do adolescente (familiares, treinador, professor, catequista…);
• Supervisão (retirar medicação de fácil acesso, evitar momentos em que o adolescente esteja sozinho em casa, avaliar a frequência escolar e as refeições);
• Promover o diálogo com o adolescente sem o forçar, aceitando as diferenças e ajustando as expectativas a cada momento.
O acompanhamento destes adolescentes deve ser multidisciplinar (pediatra da adolescência, psicólogo, pedopsiquiatra), com eventual psicoterapia individual e/ou medicação. O envolvimento da escola, a promoção de atividades extraescolares e a proximidade de amigos de referência devem ser encorajados