Especialistas antecipam pico da segunda vaga pandémica já para a semana, entre 25 e 30 de novembro. De acordo com o epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) Manuel do Carlo Gomes, que integra também o grupo de peritos da Direção-Geral da Saúde, ouvidos esta quinta-feira, no auditório do Infarmed, Portugal deverá atingir os sete mil casos diários.
Já as projeções a curto prazo para os óbitos mostram que o número de pessoas que morrem por causa do novo coronavírus pode chegar a uma centena na segunda semana de dezembro.
Manuel do Carmo Gomes alerta: “não podemos baixar a guarda de maneira nenhuma. Em qualquer oportunidade o R [indicador que mede o índice de transmissão do vírus: quantos infetados um caso origina] volta a subir.” Até porque há uma diferença temporal entre a aplicação das medidas e o seu impacto na curva epidemiológica.
O País tem agora um R de 1,1 a nível nacional, segundo cálculos do INSA, divulgados pelo epidemiologista Baltazar Nunes. Há 88 dias que o R se encontra acima de um. “É um valor muito expressivo”, refere Baltazar Nunes. No entanto – mesmo estando o R acima de um – tanto Baltazar Nunes como Manuel do Carmo Gomes falam numa tendência decrescente deste indicador. “Continuamos a crescer mas com crescimentos menos acentuados”, resume o primeiro.
“Se mantivermos o R abaixo de 1 continuamente, a onda desce mesmo”, continua Manuel Carmo Gomes. Caso contrário, com os valores atuais, vamos entrar num planalto, que pressupõe seis mil a sete mil casos diários, com efeitos nefastos a nível de pressão hospitalar no Serviço Nacional de Saúde. “Temos de ser firmes a trazer o R para baixo continuamente”, apela o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
O coordenador do programa de resposta em Medicina Intensiva da DGS, João Gouveia, veio a seguir dar voz às preocupações de quem está no terreno e que começa a ver os meios a esgotarem-se. João Gouveia disse que a taxa de ocupação dos cuidados intensivos a nível nacional é de 84%, que “não estamos em situação de catástrofe, mas já há rutura em muitos sítios”.
O médico intensivista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, assume-se “muito preocupado” e avisa que “estamos em risco de não conseguir receber todos os doentes com covid que necessitem de medicina intensiva” ou outros doentes. O “cobertor é curto e, ao puxar para cima, descobre os pés”: é assim que João Gouveia olha para os cuidados intensivos portugueses.
Chegados à parte da reunião em que os políticos fazem perguntas aos especialistas. O Presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, quis saber se poderá ainda haver outro pico de infeções em março ou abril do próximo ano. A resposta veio de Manuel do Carmo Gomes que se ficou por um: “tudo depende do que nós vamos fazer”. Sem deixar, no entanto, de transmitir que não acredita que o país deva voltar a um confinamento geral, como no início da pandemia. Em vez disso, propõe medidas cada vez “mais cirúrgicas”, por concelho, por zona.
Em 40% dos casos de covid-19, as autoridades de saúde não conhecem o link epidemiológica da infeção. Ou seja, onde o infetado contraiu o vírus. O que se traduz numa maior incapacidade para controlar as cadeias de transmissão ativas. Estes dados foram transmitidos, aos políticos e parceiros sociais pelo diretor de serviços de informação e análise da Direção-Geral da Saúde (DGS), André Peralta Santos.
Entre os 60% dos casos em que é possível cruzar informação e ter uma noção da origem do contágio, sabe-se que este é mais frequente em casa e depois em ambiente laboral.
Já Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, referiu – com base num estudo realizado entre 2 e 6 de novembro que abrangeu 782 infetados – que “frequentar ginásios, trabalhar presencialmente, habitar em alojamentos mais lotados ou o uso de transportes públicos” são caraterísticas que fazem aumentar a possibilidade de contágio. Por outro lado, “o nível [de infeção] é muito mais baixo nos que frequentaram os centros comerciais e restauração”, aponta.
A região do Norte é a que continua a preocupar mais os especialistas, apresentando, nas últimas duas semanas, 960 novas infeções por cem mil habitantes. Quando 240 por 100 mil habitantes já é considerada uma taxa de infeção de risco. No Norte, existe, atualmente, uma “incidência sete vezes superior à registada em abril”, continuou Óscar Felgueiras, da faculdade de Ciências da Universidade do Porto, acrescentando que está aumentar o número de casos em crianças (entre os zero e os nove anos).
Também o epidemiologista Baltazar Nunes lembrou que, nesta segunda vaga, Lisboa e Vale do Tejo tem tido um crescimento da infeção um pouco mais contido e com tendência para “desacelerar”.
As reuniões no auditório do Infarmed – que surgiram por iniciativa do primeiro-ministro, com o objetivo de partilhar a informação epidemiológica do país com os outros partidos e parceiros sociais – começaram no dia 24 de março e decorreram até 8 de julho, em dez sessões no edifício da Autoridade do Medicamento. Foram depois interrompidas até ao dia 7 de setembro, quando regressaram na Faculdade de Medicina da Universidade Porto; desta vez sem ser à porta fechada, pelo menos a parte dos especialistas.