Apesar de nos últimos dias temos vindo a contabilizar cerca de dois mil novos casos de infeção diários – valores superiores ao máximo de 1 516 do dia 4 de abril – a taxa de mortalidade está em níveis inferiores aos do início da pandemia. São notícias menos más, mas que não podem ser vistas em termos absolutos – uma falha que Henrique Lopes, especialista em Saúde Pública, aponta à análise feita muitas vezes pelos políticos. Uma percentagem mais baixa de óbitos, sobre uma taxa maior do números de novos casos, irá aumentar o número de mortos. Se na primeira vaga tivemos um dia com 37 mortos (3 abril) e “apenas” 852 novos casos, por estes dias temos metade da mortalidade (17), mas perto de dois mil casos diários.
“A taxa de mortalidade vai aumentar porque o número de novos casos está a aumentar muito ainda. É impossível saber até quando, porque o RT (indicador que define o grau de transmissibilidade de infeção) não para de aumentar. Era preciso que estabilizasse, mesmo que acima de 1. Há 15 dias prevíamos que, no fim de outubro, estivéssemos na casa dos três mil novos casos diários. Desde a semana passada já estamos a apontar para 3 500. Há duas semanas, pelo menos, que estamos a ver um sinal do aumento das mortes por Covid-19. A mortalidade tem diminuído, se dividirmos o número de mortos, pelo número de infetados, já está na zona dos 2%, quando ao início esteve nos 4%. Mas estes 2% são de um número maior de doentes, logo em termos absolutos aumenta na mesma”, esclarece Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e membro da Comissão Técnica de Vacinação.
Segundo Henrique Lopes, docente do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica, temos vindo a seguir as linhas previstas pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME), centro mundial de investigação independente da Universidade de Washington, responsável pelas modelações para a Organização Mundial da Saúde. Na Europa e conforme o que estava previsto nas modelações, revistas em agosto, na mortalidade estamos com um grau de exatidão de 99,5 por cento. Henrique Lopes alerta de que nas próximas semanas iremos viver “momentos complexos”: a modelação do IHME aponta para um segundo pico entre 18 e 28 de novembro, daqui a um mês sensivelmente, mas como estamos a percorrer a linha de previsão com alguns dias de antecedência, será em meados de novembro.
Comparar os extremos da distribuição do número de óbitos acentua as diferenças, pois não há apenas uma razão para o decréscimo. “São várias os fatores que levam a uma diminuição drástica, na ordem dos três quartos, do número de mortos por mil habitantes. Há desde logo uma razão estrutural demográfica porque ao início apanhou populações mais idosas, espalhando-se depois a pessoas mais jovens. Também passámos por uma época de secura que fez com que mesmo que a pessoa fosse infetada, a carga viral era mais baixa. Entretanto, houve grandes avanços na abordagem em termos de médicos e de cuidados intensivos com as ventilações não invasivas, antecipar a oxigenação, com medicação como a dexametasona, com a posição em que se colocam os doentes”, explica Henrique Lopes. Pequenos grandes detalhes desconhecidos em março e abril, que só agora começam a ter os seus estudos minimamente credíveis. Trata-se de um conjunto de passos isolados, mas que todos somados alteraram bastante a taxa de mortalidade por um milhão de doentes, neste momento em 216.
“Hoje, 98% dos doentes estão em casa, ao início da pandemia não. O primeiro grupo de pessoas que foi levado para o Hospital Pulido Valente, em Lisboa, foi apenas para fazer isolamento, ficaram confinadas cerca de dez dias”, lembra o professor de Saúde Pública.