É assistente graduada de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, autora de vários livros e presença habitual em programas de televisão para falar sobre sexualidade. De forma direta e simples, como é sua característica, a médica explica como os homens estão a ficar diferentes e a preocupar-se mais com o prazer das mulheres e como estas foram mudando ao longo das décadas. “No tempo da rainha Vitória, as mulheres fingiam que não tinham orgasmo para não serem consideradas histéricas, hoje fingem que têm orgasmo.”
Qual considera ser a maior diferença entre a mulher e o homem, no que se refere à sexualidade?
É, sem dúvida, a libido ou o desejo; embora na fase de paixão, o desejo possa ser idêntico. Os níveis de testosterona são mais elevados nos homens, o que provoca um aumento do desejo em comparação com as mulheres. Até há pouco tempo, considerava-se que as mulheres queriam carinho e os homens sexo, mas penso que estamos num ambiente de mudança, porque os homens estão a mudar.
De onde vem a ideia de que a mulher arranja sempre desculpas, como a dor de cabeça?
Vem de um mecanismo de defesa das mulheres. O direito das mulheres à sexualidade e ao prazer tem poucas dezenas de anos e ainda existem níveis diferentes de acordo com a cultura e a formação, o que levou as mulheres a criarem mecanismos de defesa.
Em relação ao sexo, como é que as mulheres mudaram nos últimos anos?
Mudaram muito, principalmente desde os anos 60, com a utilização da pílula contracetiva, que levou a uma maior liberdade sexual e, em 1978, com o nascimento do primeiro bebé por fertilização in vitro (FIV). Atualmente, podemos ter sexo sem gravidez e gravidez sem sexo. No tempo da rainha Vitória, as mulheres fingiam que não tinham orgasmo para não serem consideradas histéricas, hoje fingem que têm orgasmo.
Certo é que hoje as mulheres estão mais informadas. O que ainda lhes falta saber?
A informação é mais acessível, mas nem sempre correta.
A sexualidade dos homens é diferente da das mulheres, e também não podemos generalizar, pois cada casal é um caso e deverá ter a preocupação de conhecer os desejos de cada um para ter uma sexualidade mais gratificante.
A maioria dos homens fica mais intolerante se não tiver atividade sexual regularmente, o que vai contribuindo para degradar a relação, sendo cada vez mais difícil criar o ambiente adequado para fazer amor, pois o ambiente é de “guerra”. É preciso vencer a inércia de começar, pois o desejo ou libido pode só surgir após a excitação.
O orgasmo é essencialmente clitoriano, o que não significa que tenha de ser por estimulação direta.
E o homem está diferente na relação com a mulher?
Os homens mudaram muito, claro, mas, como em tudo, não podemos generalizar. Estão mais preocupados com o prazer das mulheres e mais colaborantes nas atividades da casa e com os filhos.
Qual o maior mito da sexualidade?
Que a sexualidade dos homens é igual à das mulheres.
As mulheres podem ter múltiplos orgasmos?
Podem, mas quantidade não é igual a qualidade.
Por vezes, um orgasmo único pode ser muito mais gratificante do que múltiplos.
E o ponto G existe mesmo?
Ainda hoje é discutível, pois há estudos a favor e contra.
Sabemos que na zona em que é descrito o ponto G, na parede anterior da vagina a cerca de 3 cm do introito (entrada) vaginal, existem terminações do clítoris, o que potencia aquela zona como mais excitável. Mas também sabemos que há várias zonas de prazer que podemos chamar A, B, H. Temos é de descobrir o nosso mapa geográfico de prazer, pois o que pode ser gratificante para uma mulher pode não o ser para outra, sem esquecer que a técnica e a sensualidade do parceiro também podem fazer “milagres”.
Há mais casais nas consultas de medicina sexual?
Eu, como ginecologista e com uma pós-graduação em Medicina Sexual, tenho cada vez mais não só casais mas mulheres que vêm à consulta sozinhas a pedir ajuda para ultrapassarem a fase de conflito do casal que foi desencadeada por diminuição do desejo dela, ou dor ou ainda dificuldade em chegar ao orgasmo. No entanto, o mais curioso é que também vêm homens à consulta só para saber como é que podem aumentar o desejo das parceiras. Este é o tal sinal de mudança.
Em que consiste essa consulta?
Tentar perceber a relação do casal e sugerir um plano conforme a situação, por exemplo: atividades em conjunto, afeto sem sexo na fase inicial e a perceção da importância da sexualidade e das condições para que aconteça. A sexualidade tem de ser uma prioridade e não a última coisa no final do dia.
Qual a maior queixa dos casais?
Os homens queixam-se da diminuição da libido das mulheres, com relações sexuais pouco frequentes. As mulheres apontam a ausência de afeto ou, quando têm afeto, o objetivo é a relação sexual. Por isso, eu aconselho os homens a darem beijinhos na rua às mulheres, para elas não pensarem que é para fazerem amor a seguir.
A investigação médica para a mulher centra-se no planeamento e para o homem no prazer, sendo a pílula e o Viagra os símbolos máximos…
Culturalmente, a sociedade esteve sempre mais orientada para o prazer masculino. A mulher tinha um papel mais passivo e a preocupação era a gravidez. Mas estamos ainda em fase de mudança também na área de investigação.
O prazer feminino é mais complexo do que o masculino?
Não, se houver informação correta. Todos somos ensinados a seduzir, mas não somos ensinados na técnica de fazer amor. A mulher é geneticamente diferente do homem e a sua sexualidade também é diferente, o que não significa que seja mais complexa. Verifico que há muitas mulheres com dificuldade em chegar ao orgasmo, mas que, após informação correta de técnicas de estimulação, passam a ter uma vida sexual gratificante.
Qual o grande tabu que ainda tem de acabar?
Que a sexualidade dos homens é igual à das mulheres.
Apesar de a sexualidade ser tão antiga como o ser humano, em muitas culturas, incluindo a nossa, nunca foi devidamente estudada e foram o cinema, as telenovelas e a escrita que quebraram muitos tabus, mas também construíram outros.
Os problemas sexuais são das principais causas para os divórcios? Há dados sobre isso?
Faço consulta de Ginecologia há cerca de 30 anos e o que verifico é que os casais que não conseguem manter uma vida sexual satisfatória entram em conflito e começam a implicar por tudo, o que torna a relação insuportável, levando frequentemente à separação, geralmente surgindo uma terceira pessoa, com a qual se começa pela fase de namoro, exatamente o que falta na relação em causa.
Que conselho dá a uma mulher que está na menopausa para melhorar a sua atividade sexual?
Realizar uma cosmética vulvar como fazem a facial, ou seja, tratar a pele da vulva e a mucosa vaginal para não perder a elasticidade e as relações sexuais não se tornarem dolorosas. Deve também manter-se uma mulher interessada e interessante, não falar apenas de doenças e estar sempre a queixar-se, pois o marido e os amigos não são analgésicos.
Há alguma característica, ao nível da sexualidade, que defina os portugueses?
Hoje, com a globalização, a sexualidade está a mudar. Apercebo-me, na consulta, de que há muitos portugueses e portuguesas com parceiros de outras culturas, o que leva à alteração dos hábitos em várias áreas, incluindo a sexual. Penso que ainda temos muito a aprender, principalmente com as orientais.