Há um outro tipo de epidemia que o mundo enfrenta. Chama-se Infodemia e foi assim cunhada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS). Como sublinhou o seu secretário-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, o problema torna-se ainda maior quando as notícias falsas se misturam com as verdadeiras. No limite, tudo junto provoca uma profunda desinformação. E isso tanto pode conduzir ao pânico como levar as pessoas a minimizar a gravidade da doença e a ignorar os conselhos de saúde pública. É o caldo perfeito para o crescimento de tratamentos não comprovados e curas milagrosas.
Isso mesmo foi o que concluiu um inquérito recente da Knight Foundation (instituição americana sem fins lucrativos, dedicada a promover comunidades informadas) e da Gallup (empresa de sondagens e pesquisa de opinião). Segundo os dados recolhidos, citados pela Scientific American, quatro em cada cinco americanos reconhecem que a disseminação online da desinformação é o maior problema que enfrentamos. Até porque, mesmo com provas em contrário, as crenças são difíceis de mudar.
Mito 1: o novo coronavírus foi concebido num laboratório na China
Como o agente patogénico surgiu em Wuhan, na China, logo Donald Trump se apressou a afirmar que tudo começara num instituto de virologia daquela cidade. Alguns teóricos da conspiração chegaram até a especular que a intenção era conceber uma arma biológica. E isto mesmo depois de os próprios serviços secretos americanos terem negado categoricamente a possibilidade.
Também não surgiram provas credíveis que sustentem uma libertação acidental no laboratório. Como foi relatado logo no início do ano, o virologista chinês Shi Zhengli (que estuda coronavírus de morcegos e cujo laboratório Trump e outros tinham sugerido ser a fonte da Covid-19) comparou a sequência deste agente com a de outros coronavírus. E concluiu que não correspondia a nenhum deles.
Mito 2: As elites espalharam intencionalmente o vírus para ganhar poder e lucro
Socorrendo-se de um vídeo sobre um livro chamado Plandemic, uma mulher chamada Judy Mikovits, antiga cientista caída em desgraça, faz uma série de afirmações sem fundamento sobre Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infeciosas, e sobre o cofundador da Microsoft, Bill Gates. O documento foi amplamente partilhado pelos grupos anti vacinas. A dada altura tinha mais de oito milhões de visualizações. Até que foi retirado devido a falsas declarações.
Mito 3: A Covid-19 não é pior do que a gripe
Ouvimo-lo da boca de Trump e também do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Agora a sério: embora a taxa de mortalidade exata do vírus seja difícil de determinar, há muito que os epidemiologistas estão convencidos de que é muito mais elevada do que a da gripe. Além disso, muita gente consegue uma imunidade parcial à gripe devido à vacinação, algo que ainda não se alcançou para a Covid-19.
Mito 4: Não é preciso usar máscara
Embora as primeiras orientações das autoridades de saúde sobre o uso de máscaras fossem confusas e inconsistentes, existe há muito um forte consenso de que a prática pode limitar a transmissão do SARS CoV-2. Na verdade, há muito que as máscaras são consideradas um meio eficaz de controlo da doença, mas inicialmente havia uma escassez daquele material. Ainda assim, há muita gente que se recusa a fazê-lo, considerando que se trata de uma violação das liberdades civis. Recentemente, vimos até manifestações contra o seu uso obrigatório, de Madrid a Berlim. Mas mesmo os estados americanos que outrora eram resistentes à prática já o implementaram.
Mito 5: A hidroxicloroquina é um tratamento eficaz
Quando um pequeno estudo, agora amplamente criticado, sugeriu que o medicamento usado contra a malária poderia ser eficaz no tratamento da Covid-19, Trump e outros passaram a promove-lo – e nem as suspeitas de interesse financeiro alterarem o discurso. A Food and Drug Administration, agência americana para a alimentação e o medicamento, ainda emitiu inicialmente uma autorização de utilização de emergência para o medicamento, mas acabou por revogar a medida. Ainda assim, Trump não baixou a guarda. Ainda há poucas semanas voltou a promover um vídeo que apresentava Stella Immanuel, suposta clínica que garantia saber de ADN alienígena em tratamentos médicos e vacinas em preparação para impedir que as pessoas se tornassem religiosas.
Mito 6: Foram os protestos do movimento #Black Lives Matter que levaram a um aumento da transmissão, nos EUA
Quando, entre maio e junho, milhares de pessoas saíram à rua para protestar contra a morte violente de George Floyd às mãos da polícia, logo se apontou que aqueles encontros de massas teriam repercussões nos casos de Covid-19 no país. Mas apenar das preocupações, e de uma investigação do Gabinete Nacional de Investigação Económica, não foram encontradas provas de que tenham levado a mais casos da doença ou a mais mortes.
Mito 7: O crescimento exponencial de casos é devido ao aumento do número dos testes
“Sem testes, estaríamos quase sem nenhum caso”, twitou já Trump inúmeras vezes. Mas, se esse cenário fosse real, o expectável era que a percentagem de testes positivos descesse, o que não aconteceu. Nos estados com grandes surtos a taxa aumentou, e diminuiu naqueles que tomaram medidas de prevenção e controlo da doença.
Mito 8: Podemos alcançar a imunidade de grupo, deixando o vírus propagar-se pela população
Essa era a ideia que transpareceu inicialmente em países como o Reino Unido e a Suécia (e embora os governos de ambos tenham negado tal intenção, a verdade é que a Suécia foi contra restrições generalizadas e o Reino Unido demorou a decretar o confinamento). Mas existe uma falha fundamental nesta abordagem: segundo os peritos, seria preciso que 60 a 70 por cento das pessoas ficassem doentes para se alcançar a imunidade de grupo. E com uma taxa de mortalidade relativamente elevada, teríamos milhões de mortes por todo o mundo.
Mito 9: Qualquer vacina constituirá um risco maior do que ser infetado
Enquanto cientistas e grupos de investigação de todo o mundo queimam pestanas no laboratório para desenvolver uma vacina eficaz contra a doença, surgem informações a dar conta de que muita gente se pode recusar a recebê-la. Um movimento, mais uma vez, incrementado pelos grupos anti vacinas, a apregoarem que matará milhões. Uma outra teoria garante que Bill Gates tem um plano secreto para, através das vacinas, implantar microchips rastreáveis nas pessoas. Digamos que há boas razões para se ser cauteloso quanto à segurança de uma nova vacina – como se viu no caso do recente anúncio feito pela Rússia – mas é por isso mesmo que as principais farmacêuticas mundiais estão empenhadas em realizar ensaios clínicos em larga escala para determinar a sua eficácia e a segurança.