Já deu por si a navegar na Internet e tropeçar numa pop-up sobre as vantagens de usar peças de indumentária com cobre na composição? Não é propriamente a corrida ao ouro mas, em tempo de pandemia, as propriedades antimicrobianas deste metal macio e maleável e o uso de máscaras à escala global estão a dar ideias à indústria da moda. No site da Fast Company refere-se que não faltam empresas (Atoms, The Futon Shop, Argaman) a vender máscaras de cobre a preços que oscilam entre €9 e €64.
A Cupron, sediada no Estado americano da Virgínia, inventou um tecido com infusão de cobre há mais de uma década e os tecidos foram transformados em lençóis e fronhas para uso hospitalar. Recentemente, a empresa vendeu 25 mil unidades para os funcionários destes estabelecimentos de saúde, que as fornecem aos funcionários, reservando as N95 e as cirúrgicas para quem está diretamente em contacto com doentes diagnosticados com Covid-19. Confrontados com a escassez de equipamentos de proteção individual (EPIs), vários hospitais equacionam apostar nestas máscaras mas daí ao seu uso generalizado (há modelos para todos os gostos, muitos esgotaram e chegam a custam €300) e à compra de calçado e vestuário com cobre na composição vai um grande passo.
Eficácia v.s. Negócio
Num artigo publicado recentemente no Smithsonian Magazine, refere-se que o vírus SARS-CoV-2 permanece em superfícies de plástico e de aço inoxidável metal durante dias, mas desintegra-se rapidamente em superfícies de cobre. O segredo reside no facto de o cobre destruir bactérias e vírus: os iões positivos penetram na estrutura do agente infeccioso e impedem a sua replicação.
O investigador em microbiologia da Universidade de Southampton (Reino Unido), Bill Keevil, estuda os efeitos antimicrobianos do cobre há mais de duas décadas e testou vírus como a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e a pandemia da Gripe Suína (H1N1) de 2009: o contato com o cobre matou o agente patogénico em minutos. Há cinco anos, ele constatou que o mesmo se passava com o Coronavirus 229E, a causa de de constipações e pneumonia, que se mantinha ativo durante cinco dias no vidro e no aço inoxidável, muito usado em locais públicos.
O poder desinfetante deste antimicrobiano é conhecido há milhares de anos, como atesta o papiro de Edwin Smith, o texto de medicina da antiguidade egípcia e o mais antigo tratado de cirurgia traumática conhecido, escrito em 1501 a.C. Também na Era Pré-Cristã, os chineses usavam moedas de cobre como remédio para dores no coração e no estômago e doenças do trato urinário (hoje é usado nos dispositivos intrauterinos). Hoje sabemos que a composição atómica deste metal induz a criação de radicais livres que aceleram a morte do vírus, especialmente em superfícies secas: os seus iões destroem o DNA e o RNA da bactéria ou do vírus, impedindo mutações que criam superbactérias resistentes a medicamentos.
Num outro estudo financiado pelo Departamento de Defesa americano, o professor de microbiologia e imunologia Michael G. Schmidt, da Universidade Médica da Carolina do Sul, analisou ligas de cobre em superfícies como mesas de cabeceira e apoios de braços em três hospitais do país, e verificou uma redução de 58 por cento de contaminações face aos procedimentos de rotina em contexto hospitalar. O hospital de Virginia Beach, por exemplo, reportou uma redução de 78% nas bactérias resistentes a medicamentos e infundiu liga de cobre nos lençóis das camas hospitalares.
A notícia chegou a outras partes do mundo e no Peru e no Chile, países produtores de cobre, e passou a ser usado em hospitais e sistemas de transporte públicos. E o dinheiro? Manusear as moedas escuras feitas desse metal, a que muitas pessoas são alérgicas, é seguro? Não, não é garantido. Os cientistas sugerem que se lavem sempre com água, sabão e desinfetante, já que não se sabe quantos vírus estão nas mãos. Voltando às máscaras, e para que não restem dúvidas, Michael Schmidt vaticina: “Tenho grandes esperanças nas máscaras de cobre, mas faltam estudos para confirmar a [sua] eficácia.”
Entretanto, a microbiologista Phyllis Kuhn, defensora do uso de cobre nos hospitais, fundou a empresa Kuhn Copper Solutions que, entre outros produtos e serviços, comercializa máscaras por 25 dólares (€23). No site, pede-se paciência ao visitante, uma vez que “devido ao aumento da procura, estimamos que as entregas sejam feitas no espaço de duas ou três semanas”.
O negócio tem pernas para andar e até pode ser mais uma arma no combate aos inimigos microbianos mas é cedo para saber se o seu uso tem uma base segura ou se fica por uma tendência, até por maioria das máscaras de cobre disponíveis no mercado não ter sido alvo de testes para a estirpe da Covid-19.
Não embarcar em soluções milagrosas
Ainda que tenham a vantagem de ser sujeitas a inúmeras lavagens sem perda de eficácia, estas “armas” não impedem que haja contaminação através de gestos quotidianos e automáticos: manusear a maçaneta de uma porta e ajustar a máscara com os dedos a seguir, ou esfregar os olhos, mexer no nariz, lamber o dedo. Basta que o vírus esteja presente para contrair a infeção e lá se vai a vantagem do cobre. Ainda assim, é de admitir, como fez Michael G. Schmidt, o benefício do material: “Se um têxtil de cobre foi avaliado cientificamente, pode ser melhor que a máscara de tecido comum.” Sem selos de garantia, as promessas podem não passar de um mito. A decisão fica ao critério de cada um.
“O cobre é um agente estabilizador e contribui para a não viabilidade de microorganismos, razão pela qual é usado na gaze colocada em ferimentos e nos cateteres para evitar a colonização das bactérias”, afirma Mário Ramirez, professor associado da faculdade de Medicina de Lisboa e investigador no Instituto de Medicina Molecular e Infeção. Sobre este assunto, reconhece que “o tempo de sobrevivência do vírus em superfícies metálicas é superior ao verificado no plástico, no papel e em tecidos mas daí a dizer que é de importância extraordinária, não me parece”.
Pensemos no mobiliário de praia para fazer exercício e nos bancos de jardim: muitos são de metal, mas estão ao ar livre e beneficiam ainda do tempo seco e da exposição aos raios ultravioletas que têm o tal efeito estabilizador e inibem a possibilidade de infeção. Dito isto, o risco é menor nestas situações comparativamente aquele que envolve tocar maçanetas das portas em locais fechados. Tal como os seus congéneres, Ramirez recomenda “lavar as mãos antes e depois de abrir e fechar portas”. Quanto às tão faladas máscaras de cobre, é peremptório: “O benefício demonstrado é mínimo.”
Tendências para os próximos meses
A pandemia está a revelar-se uma oportunidade para a criação de tendências na indústria dos acessórios de moda e, ainda, no design doméstico. Num artigo dedicado a este tema, destacam-se as torneiras livres de toque, as “zonas de entrada” da casa para troca de roupa e calçado, os equipamentos com materiais antimicrobianos (cobre, querido cobre!) e os bidés (que eram alvo de piadas, como manias europeias mas estão a voltar em força na América).
Os escritórios em casa, encarados como um luxo para alguns há algumas décadas, parecem ter vindo para ficar com a imersão global no teletrabalho, e estão a converter-se no novo normal. Esta tendência caminha a par e passo como os purificadores do ar (além da manutenção e substituição de filtros), apesar de não existirem dados consistentes quanto ao efeito desta medida na eliminação do novo coronavírus. Por fim, Os pavimentos e revestimentos resistentes à água e com propriedades antimicrobianas parecem estar agora em alta, com a cortiça a merecer destaque. Este material, em que Portugal marca pontos, tem ainda a vantagem de reduzir o ruído, uma verdadeira benção para quem tem de partilhar o espaço doméstico no registo multifunções.