Continuam a circular nas redes sociais uma série de mezinhas, cujas receitas simples alegam impedir as pessoas de serem infetadas com o novo coronavírus. Numa das muitas mensagens difundidas lemos que “o vírus pode permanecer até cinco dias na cavidade bucal/nasal de quem já está infetado”, por isso “a ingestão de água morna com regularidade pode ter um excelente efeito profilático mesmo para quem já esteja infetado”. O texto “explica” ainda: “Mais importante é gargarejar pelo menos duas vezes ao dia com água morna com sal. Já agora, e em termos de temperatura destes líquidos basta que seja 27º. O efeito da temperatura é apenas de ajudar a dissolver/arrastar o vírus para o estômago antes de ter oportunidade de chegar à traqueia. Depois o que mata o vírus é o suco gástrico”.
No site da Organização Mundial da Saúde (OMS), na secção dedicada aos mitos, uma das perguntas é precisamente relacionada com esta prática. A lavagem regular do nariz com solução salina pode ajudar a prevenir a infeção pelo novo coronavírus? E na resposta, lê-se: “Não. Não há evidências de que lavar o nariz regularmente com soro fisiológico tenha protegido as pessoas da infeção pelo novo coronavírus. Existem evidências limitadas de que lavar o nariz regularmente com uma solução salina pode ajudar as pessoas a recuperarem mais rapidamente de uma constipação comum. No entanto, não foi demonstrado que lavar o nariz regularmente previna infeções respiratórias.”
“Isso é tão simplista que nem consigo entender”, diz Kalpana Sabapathy, epidemiologista da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres à BBC. “O perigo está na falsa sensação de segurança. As pessoas vão pensar que ao fazerem isso tudo ficará bem”, acrescenta. Kalpana Sabapathy explica que as infeções geralmente começam depois de termos sido expostos a milhares ou milhões de partículas virais, portanto é improvável que empurrar algumas dessas partículas pelo esófago abaixo tenha um grande impacto. Mesmo que o vírus ainda não tenha conseguido encontrar o caminho dentro das células do trato respiratório, também pode entrar no corpo de outras maneiras. Enquanto algumas pessoas podem ser infetadas ao tocar na boca com os dedos contaminados, o vírus também pode entrar no corpo tocando no nariz ou nos olhos. Mas essa não é a principal via de transmissão. Em vez disso, o principal risco é respirar gotículas minúsculas que contêm milhares de partículas virais após uma pessoa tossir ou espirrar ao nosso lado.
Também Christopher Tidey, porta-voz da UNICEF em situações de emergência já se insurgiu contra a propagação de mitos disparatados, sem qualquer fundamento científico. “É claro que isso não é verdade”, disse ao The New York Times. “A desinformação durante os períodos de crise na saúde pode resultar em pessoas desprotegidas ou mais vulneráveis ao vírus. Também pode espalhar paranoia, medo e estigmatização e ter outras consequências, como oferecer uma falsa sensação de proteção.”
Segundo os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças nos Estados Unidos gargarejar com água morna e salgada é uma das muitas maneiras de aliviar a dor de garganta, mas não há evidências de que isso possa matar o novo coronavírus. “Não impedirá que o vírus chegue aos pulmões”, esclarece Paul Offit, pediatra e especialista em doenças infecciosas da Universidade da Pensilvânia e do Hospital Infantil de Filadélfia. “O que poderia fazer é diminuir a inflamação, o que tornaria a garganta menos dorida.”
Em Portugal, o virologista Kamal Mansinho, também questionado pelo jornal online Polígrafo, respondeu: “No caso concreto do coronavírus, algumas células da boca, do nariz e da garganta têm um recetor que funciona como fechadura, a que o vírus se liga para entrar nas células. Quando se diz que quando chega ao estômago e é destruído, não é verdade. Antes de chegar ao estômago pode causar infeção.”