Um grupo de neurocientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, na Califórnia, quis mergulhar no ainda enigmático mundo das alucinações, um fenómeno relativamente raro mas intrigante q.b. Para este estudo, os investigadores estimularam as células nervosas no córtex visual de ratos de forma a induzir uma imagem ilusória nas suas mentes. A primeira surpresa não tardou: o número de células nervosas que foi preciso estimular para obter esse efeito – criar uma perceção irreal que os levava a comportarem-se de uma determinada forma – foi inesperadamente reduzido.
“Em 2012, descrevemos a capacidade de controlar a atividade de neurónios selecionados individualmente num animal em estado de vigília e alerta”, explica Karl Deisseroth, professor de bioengenharia, psiquiatria e ciências comportamentais. “Agora, pela primeira vez, conseguimos aplicar esta capacidade ao controlo de múltiplas células especificas em simultâneo, fazendo um animal percecionar uma coisa específica que, na realidade, não está lá – e agir em consonância”, congratula-se o investigador.
Deisseroth, o autor sénior do estudo, publicado na Science, liderou, em 2005, uma equipa da Universidade de Stanford, na criação de uma tecnologia que apelidou de optogenética e que permite estimular neurónios específicos em animais a movimentarem-se livremente com recurso a impulsos de luz, enquanto os cientistas observam os efeitos que daí resultam na função cerebral do animal e no seu comportamento.
Para este estudo, os investigadores inseriram uma combinação de dois genes numa grande quantidade de neurónios no córtex visual das cobaias. Um dos genes codificava uma proteína sensível à luz que fazia o neurónio disparar em resposta a um impulso laser de uma cor no espectro infravermelho; o outro gene codificava uma proteína fluorescente que brilhava sempre o neurónio estava ativo.
Para poderem observar o córtex visual – responsável tanto em humanos como animais pelo processamento da informação passada através da retina – os cientistas criaram uma espécie de janelas no crânio dos roedores, protegidas por uma cobertura de vidro transparente. Esta janela permitiu-lhes usar um dispositivo criado para projetar hologramas, que atingiam sítios precisos em neurónios específicos e monitorizar a atividade neuronal daí resultante.
Com as cabeças fixas numa posição confortável, os ratos eram postos perante séries aleatórias de barras horizontais e verticais, exibidas num ecrã, enquanto a equipa observava e registava que neurónios eram ativados mais com uma das orientações, identificando assim os que se “ligavam” com as faixas horizontais ou verticais.
A partir daí, e simplificando, os investigadores conseguiram, com hologramas, reproduzir esses mesmos efeitos nos neurónios e treinaram os ratos para discriminarem com eficácia as barras nas diferentes direções, induzindo um comportamento – lamber a ponta de um tubo de água – apenas com a projeção do programa holográfico no córtex visual dos animais.
“Não é só o animal que está a fazer a mesma coisa, é o cérebro também”, explica Deisseroth. “Portanto sabemos que estamos ou a recriar a perceção natural ou a criar algo muito semelhante”.
A surpresa foi que a estimulação optogénica de 20 neurónios, ou menos em alguns casos, servia para fazer disparar a mesma atividade neuronal e o correspondente comportamento. “É bastante impressionante como é preciso estimular poucos neurónios num animal para gerar uma perceção”, continua Deisseroth.
“O cérebro de um rato tem milhões de neurónios; um humano tem muitos milhares de milhões. Se só 20 conseguem criar uma perceção, então porque é que não estamos constantemente a alucinar por causa de uma atividade aleatória e adulterada?”, questiona-se o especialista.
Este estudo tem implicações na obtenção de uma melhor compreensão do processamento de informação no cérebro, assim como de perturbações psiquiátricas como a esquizofrenia, e abre caminho à possibilidade de criar próteses neurais.
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