E se começássemos por dizer que a controversa figura do marquês de Pombal podia muito bem nunca ter existido na nossa História? Sebastião José de Carvalho e Melo nasceu em 1699, em Lisboa, numa família tida como de fidalgos de terceira categoria – o avô homónimo e o pai, Manuel de Carvalho e Ataíde, eram meros capitães de cavalaria da Casa Real, com magros soldos e sem pagamentos em dia. Para contrariar a maledicência na corte sobre os “pergaminhos duvidosos” dos Carvalho e Melo, rumores que incluíam um suposto “sangue impuro” proveniente de uma africana e de uma cristã-nova, o pai de Sebastião José resolveu inventar um livro de genealogia. Impresso em 1702, em Nápoles, para fugir às autorizações necessárias em Portugal, Manuel de Carvalho e Ataíde ficcionou no livro, pela pena de um inexistente “prior D. Tivisco de Nasão Zarco y Colona”, ligações dos Carvalho e Melo a distintas raízes, de fidalgos da Restauração (a que acrescentou outros, como o florentino “Genebra Cavalcanti”) a “mestres-sala de D. João II”. A burla seria denunciada e eternizou-se como mancha na reputação da família.
Mas o livro que veio de Nápoles não nasceu de uma mente delirante. Fazia parte de uma luta, dir-se-ia obsessiva, que o avô de Sebastião José, Sebastião de Carvalho e Melo, e o pai travaram até ao fim das suas vidas – e que perderam. Desdobravam-se em litigâncias judiciais com o objetivo de reaver para a família o morgado de Carvalho, uma terriola perto de Coimbra que lhes devolveria “nome” e “brasão”. Ou seja, tirá-los-ia da relativa penúria e da irrelevância. Nunca conseguiram, porém, ganhar a causa, devido a um obstáculo colocado por um seu próprio antepassado, o qual, tendo um filho bastardo que demorou a reconhecer, deixou escrito que “a eleição” da “administração e senhorio” do morgado caberia “à Câmara da cidade de Coimbra, para que a apresentasse na pessoa que lhe parecesse mais idónea das da sua geração, sem atender à sucessão de pai e filho conforme o direito”.
Ironia trágica: embora tivesse sido instituído, em 1178, pelo antepassado Domingos Feyrol de Carvalho, o morgado estava, desde a Restauração de 1640, na posse do conde de Atouguia, um ramo dos Távora, família da alta nobreza que, muitos anos mais tarde, quando o poder do marquês de Pombal se encontrava no auge, foi barbaramente executada num patíbulo, em Belém. E então, sim, o tão desejado morgado passou para as mãos dos Carvalho e Melo…
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