No meu último dia na Climate Week NYC, participei na Global Biodiversity Summit, ao mesmo tempo que nas Nações Unidas decorria uma sessão de preparação da Conferência do Futuro, que terá lugar em setembro de 2024.
Sem biodiversidade e ecossistemas saudáveis não há futuro. Não só dependemos da natureza para aspetos tão básicos como respirar, como pelo menos metade do PIB mundial depende de recursos naturais – muitos dos quais frágeis ou finitos. Por isso, proteger a natureza é não só um imperativo ético e de bem-estar, como é algo vital para segurarmos a economia e o emprego.
Num planeta com recursos finitos e uma população em crescimento, com cada vez mais poder de compra e expetativas de consumo, ou gerimos muito bem os recursos disponíveis e respeitamos os limites e equilíbrios vitais dos sistemas naturais ou estaremos condenados a prazo. Porém, a importância da natureza tem sido algo negligenciada nos debates sobre o futuro e nas preocupações de governantes e empresas.
Estima-se que o gap anual de investimento na biodiversidade e no restauro de ecossistemas seja na ordem dos 700 a 900 mil milhões de euros (3x o PIB português). Uma boa parte desse investimento na natureza deveria ter como destino os países em desenvolvimento, que concentram a maior parte dos ecossistemas terrestres e marinhos necessários à vida na Terra, e cujas populações muitas vezes não têm outra solução de sobrevivência que não seja saqueá-los.
Naturalmente, o esforço de investimento deveria recair, sobretudo, sobre os países desenvolvidos. Para tal, é fundamental que, além de se pagarem os recursos naturais que constituem matéria-prima da generalidade dos bens de grande consumo – mercado que, segundo a McKinsey, vale 11% do PIB mundial –, também sejam reconhecidos e valorizados os serviços que os ecossistemas nos prestam e as externalidades negativas de algumas atividades económicas.
No que toca aos serviços prestados pelos ecossistemas, a captura de carbono é apenas um deles. Quanto às externalidades negativas, o mesmo estudo da McKinsey defende que só o sistema agroalimentar global impacta negativamente os ecossistemas em mais de 11 biliões de euros por ano (48x o PIB português).
É neste contexto que os mercados – regulados e voluntários – de créditos de natureza, entre os quais os créditos de carbono, deveriam passar a ser uma realidade em todos os países desenvolvidos e para todos os setores e empresas.
O princípio de sermos responsáveis pela nossa pegada ecológica é não só justo como necessário para podermos continuar a aspirar ao crescimento económico global. E, já agora, nada impede que esse princípio se estenda aos cidadãos. Há cada vez mais soluções tecnológicas simples (apps) que permitem calcular a nossa pegada ecológica, com base nos nossos hábitos e estilos de vida. Ora, ultrapassado um determinado crédito anual, deveríamos ter de adquirir créditos. Por exemplo, esta minha viagem a Nova Iorque deveria ter de ser compensada, através da aquisição de créditos de natureza.
O potencial é enorme. Só o mercado de créditos de carbono regulado atingiu, em 2022, um valor superior a 800 mil milhões de euros. Já o mercado voluntário (i.e., compensações não obrigatórias/voluntárias das empresas) ascendeu a quase 2 mil milhões de euros.
Num contexto em que a economia global é apenas 7,2% circular, a adoção generalizada de créditos de natureza permitiria não só financiar o esforço necessário de restauro e conservação da natureza como seria um excelente incentivo para que as nossas economias e estilos de vida se tornassem mais frugais e circulares.
A natureza, sabemos, é 100% circular, uma vez que todos os seus “resíduos” são úteis, se transformam em matéria-prima. Sermos responsabilizados pela nossa pegada ecológica, pelas nossas dependências e impactos no planeta, seria um excelente estímulo para a imitarmos mais – e, desse modo, agirmos em prol de um paradigma de desenvolvimento regenerativo. Sem isso, não há futuro.