Um estudo publicado na revista Science of The Total Environment encontrou, pela primeira vez, a presença de microplásticos nos pulmões de indivíduos vivos. As partículas analisadas, presentes em 11 das 13 amostras, pertenciam a vários tipos de plásticos, com os mais comuns a serem o poripropileno, usado em embalagens plásticas, e o PET, usado em garrafas.
Os investigadores da Universidade Hull York Medical School, do Reino Unido, que orientaram o estudo encontraram microplásticos em várias partes do pulmão humano, incluindo numa as suas regiões mais profundas, dificilmente acessíveis pelas estreitas vias aéreas que a constituem.
Microplásticos já tinham sido encontrados em amostras de tecido pulmonar retiradas a cadáveres humanos, mas este é o primeiro estudo a apontar a sua presença em amostras provenientes de pulmões de humanos vivos.
O plástico é um dos materiais artificiais mais facilmente encontrados no planeta. Segundo dados da Statista de 2020, desde 1950 que a produção de plástico tem vindo a aumentar continuamente, de 2 milhões de toneladas por ano para 359 milhões em 2018, uma tendência que, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se continuará a verificar até 2040, atingindo nessa altura os 540 milhões.
O plástico é responsável por libertar microplásticos, que não só contribuem para a poluição da Terra, como podem também trazer consequências à saúde e ao bem-estar de humanos e animais. De facto, já haviam sido identificados microplásticos em diversos animais marinhos, assim como na água, alimentos, ar que respiramos e até nas fezes de bebés e adultos.
Um estudo publicado em março deste ano identificou, também pela primeira vez, a presença de microplásticos no sangue humano, abrindo a possibilidade a que as partículas viajassem pelo corpo e se alojassem nos órgãos. Os microplástios parecem estar em todo o lado, desde o fundo dos oceanos ao topo do Evereste, e agora, ao que tudo indica, terão encontrado forma de se infiltrar nas veias humanas e nas regiões mais profundas do pulmão.
Os autores do estudo alertaram para a abrangência cada vez maior da poluição dos microplásticos no mundo e para uma “preocupação crescente em relação aos perigos” que podem ter para a saúde humana.
O estudo foi desenvolvido com base em 13 amostras de pacientes submetidos a cirurgia, sendo que 11 tinham microplásticos. De acordo com a descoberta, as partículas estavam presentes nas várias regiões do pulmão, incluindo a mais profunda, onde se encontrava o maior número de partículas, algumas delas com dimensões consideradas pelo estudo “surpreendentes”. “Não esperávamos encontrar o maior número de partículas nas regiões inferiores dos pulmões, ou partículas do tamanho que encontramos”, disse ao Guardian Laura Sadofsky, uma das autoras do estudo. “É surpreendente, dado que as vias aéreas são mais estreitas nas partes inferiores dos pulmõe. Esperávamos que partículas destes tamanhos fossem filtradas ou presas antes de chegar tão fundo”, acrescentou.
A saúde humana
Segundo Sadofsky “estes dados fornecem um avanço importante no campo da poluição do ar, microplásticos e saúde humana”. Os elevados níveis de partículas de microplástico encontradas nas amostras analisadas suportam, de acordo com o estudo, a hipótese da “inalação humana como via de exposição ambiental”.
Os microplásticos podem entrar no corpo humano de diversas formas, nomeadamente através da ingestão de alimentos e água que possam ter estado em contacto com plásticos, ou mesmo respirando as partículas que já se encontram presentes na atmosfera. No entanto, ainda não se conhecem concretamente os impactos que esta e outras descobertas que ligam a presença de microplásticos ao organismo podem ter para a saúde humana.
Um dos poucos estudos que se foca concretamente no efeito dos microplásticos em organismos vivos foi realizado em ratos e os resultados provaram-se preocupantes. Os ratos expostos a grandes quantidades de plástico desenvolveram inflamações intestinais, apresentaram uma contagem de esperma abaixo dos níveis normais e consecutivamente menos filhos, e mais pequenos.
No que toca aos efeitos do microplástico nos humanos, as pesquisas disponíveis são ainda mais escassas, mas um estudo publicado na EurekAlert foi capaz de apresentar evidências de que os microplásticos ficam presos nas membranas exteriores dos glóbulos vermelhos, limitando a sua capacidade de transportar oxigénio.
Embora o efeito concreto dos microplásticos a longo prazo não seja ainda conhecido, a maioria das previsões feitas pela comunidade científica indicam que as consequências a longo prazo serão preocupantes do ponto de vista da saúde animal e humana, assim como ambiental. Posto isto, e segundo o Guardian, cerca de 80 ONG já pediram publicamente ao governo do Reino Unido que investisse 18 mil euros em pesquisas que procuram perceber os impactos dos microplásticos na saúde humana. Na UE, outros estudos têm sido desenvolvidos no mesmo sentido.
Também a investigação de Sadosky faz um alerta para as “implicações da saúde associadas à inalação de MP (microplásticos)”, sublinhando a necessidade de “direcionar pesquisas futuras”.
E em Portugal?
Segundo um estudo publicado em 2018 pela World Wildlife Fund, em Portugal 72% do lixo encontrado nas zonas industriais e de estuários são microplásticos. As zonas mais afetadas são Lisboa e a Costa Vicentina devido à sua localização próxima dos estuários do Tejo e Sado. Este tipo de poluição pode afetar as cadeias alimentares dos animais marinhos, com repercussões também nos humanos. Segundo o estudo publicado na Science Direct, “as estimativas de consumo de microplásticos por ano/capita para os diferentes países mostraram que a exposição a microplásticos através do consumo de peixe pode de facto ser consideravelmente mais elevada em países onde o consumo de peixe é elevado, como Portugal”.
Os números são preocupantes, nomeadamente porque não incluem os microplásticos que entram no organismo humano através de outras vias. Segundo um relatório publicado pelo Seas At Risk em 2017, entram no mercado portugês, anualmente, 721 milhões de garrafas de plástico, 259 milhões de copos de café descartáveis, mil milhões de palhinhas, 40 milhões de embalagens descartáveis e 10 mil milhões de beatas de cigarros, que têm microplásticos na sua constituição.