Com a colaboração de dezenas de voluntários, um grupo de investigação científica reuniu 198 amostras de mel provenientes dos cinco continentes, para procurar os cinco principais neonicotinóides, habitualmente, usados na prevenção, controlo e tratamento de várias culturas agrícolas contra organismos considerados prejudiciais. Estes pesticidas sistémicos, à base de nicotina, aplicam-se geralmente nas sementes, fixando-se em toda a planta à medida que cresce, incluindo flores e frutas. Atuam no sistema nervoso e, em princípio, afetam apenas os invertebrados que se alimentam das plantas tratadas, sendo inócuo para vertebrados, como os humanos.
A análise liderada por Edward Mitchell, biólogo da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, encontrou restos de pesticidas modernos na maioria das amostras de mel. A concentração é residual, ficando abaixo dos limites impostos pela União Europeia para consumo humano. Ao certo, a média de quantidade de pesticida encontrada nas amostras positivas é de 1,8 nanogramas (ng) por grama de mel. A União Europeia estabeleceu o limite admissível de 50 ng para três dos neonicotinóides analisados e em 10 ng para os outros dois. No entanto, os níveis detetados podem estar a afetar as abelhas.
Os resultados da investigação, publicada na revista Science, mostram que em 75 porcento das amostras de mel havia vestígios de pelo menos um neonicotinóide. Quase metade do mel analisado tinha restos de dois ou mais pesticidas. E dez porcento dos potes tinham uma mistura de quatro ou cinco desses pesticidas. Geograficamente, a maior percentagem de mel com resíduos fica na América do Norte (86%), Ásia (80%) e Europa (79%). O mel com menor rastro vem da América Latina (57%) e da Oceania (64%). “Pensávamos que encontraríamos muitas amostras contaminadas, mas não 75 por cento. Muitos deles provêm de áreas remotas ou principalmente de áreas naturais e os resultados são ainda mais chocantes”, diz Edward Mitchell, principal autor do estudo. “Quarenta e cinco porcento apresentam múltiplas contaminações. É uma percentagem alta e preocupante, pois não estamos bem conscientes do impacto dessas misturas. E nós apenas analisámos cinco dos aproximadamente 500 que existem. Esta é apenas a ponta do iceberg”, acrescenta.
A sucessão de estudos que ligam esses pesticidas ao declínio das colónias de abelhas levou à sua proibição total ou parcial. França, por exemplo, vetou-os. No resto da Europa, apenas alguns são permitidos e para certas culturas, como soja, milho ou colza. Este trabalho parece confirmar que as abelhas também estão expostas a esses inseticidas, ingerindo-os junto com o mel. Na opinião de João Branco, líder da Quercus, Associação Nacional de Conservação da Natureza, “Portugal, que em 2013 demonstrou uma posição muito débil relativamente a este assunto ao votar contra a proibição de três neonicotinóides muito tóxicos para as abelhas, terá agora a oportunidade de se redimir.” Uma situação que terá uma resolução até ao fim deste ano.