No campeonato gastronómico, Portugal leva a taça na categoria peixe. Esta ideia começou a ganhar forma quando o famosíssimo chefe catalão Ferran Adrià anunciou que “Portugal tinha o melhor peixe do mundo”. Depois de alguma estranheza, o conceito foi-se entranhando, apoiado em fortes argumentos oferecidos pela biologia e pela meteorologia. “O nosso mar tem uma boa oxigenação, temperatura ótima para o crescimento e reprodução e excelente disponibilidade e qualidade do alimento”, enumera a bióloga e especialista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) Bárbara Serra Pereira. Na confluência das águas frias do norte e das quentes das regiões tropicais apanhamos com o melhor dos dois mundos. Além disso, temos ainda a agradecer ao fenómeno do afloramento costeiro, ou upwelling, que traz água mais fria às praias, mas que faz maravilhas pela vida marinha. Este movimento das águas, que resulta de uma combinação entre o vento e o movimento de rotação da Terra, arrasta as massas de água à superfície, afastando-as da costa, e uma subida de águas mais profundas, das camadas abaixo dos 200 metros. Esta renovação, que acontece nos meses de verão, transporta nutrientes à superfície, pequenos animais e vegetais, que vão sustentar toda a cadeia alimentar.
Uma costa muito variada permite-nos ter uma grande riqueza de animais – sardinhas a norte e linguados ao centro – exemplifica a investigadora do IPMA. Só nos Açores, haverá 600 espécies de peixes diferentes.
Filetes: um desperdício
O chefe Vítor Sobral não se coíbe de traçar elogios ao ingrediente de eleição no seu restaurante Peixaria da Esquina, em Lisboa. “Em Portugal existe com certeza dos melhores peixes do mundo. Uma matéria-prima fantástica, que inclui os mais raros e os mais comuns. Além disso, temos formas muito peculiares de cozinhar”, sublinha. “Há pratos de peixe para ricos, para pobres, de interior e de litoral. Um receituário incrível. Grelhados, fervidos, arrozes”, salienta.
Na gastronomia portuguesa, o peixe ocupa grande destaque – estamos entre os maiores consumidores a nível mundial, algures entre o terceiro e o quarto lugar. Mas é preciso que não se perca todo este património, alerta a crítica gastronómica e autora do livro O Melhor Peixe do Mundo (Assírio & Alvim), Fátima Moura. “Os nossos peixes são saborosos – alimentam-se de coisas boas, como camarões e amêijoas – temos boas lotas e uma boa distribuição”, reforça. “Servimos o peixe inteiro, que é coisa que não se vê no resto da Europa, onde vem tudo em filetes”. Mesmo assim, Fátima Moura lamenta que nas cozinhas portuguesas não se arrisque muito, fugindo às douradas, robalos e bacalhau. Aliás, a contabilidade das pescas isso o demonstra: 60% do que pescamos é sardinha, cavala e carapau. “Às vezes, as pessoas têm medo do peixe. Desperdiçam as cabeças, os fígados de tamboril, que são deliciosos”, nota. É com pesar que Rosa Cunha, peixeira no Mercado da Ribeira, em Lisboa, transforma um belo linguado num par de filetes. Ou que se desperdicem as cabeças do peixe. “Fazem uns caldos deliciosos”, ensina a dona da banca Rosanamar, que serve alguns dos principais chefes em Lisboa.
Peixe da época
Além de diversificar nas espécies, seria importante respeitar a sazonalidade. “A salema fora de época sabe a palha, no tempo próprio é deliciosa”, refere Fátima Moura. Para fomentar este consumo mais sustentado, que favorece a reposição dos stocks, a autora está a pensar num projeto de divulgação das épocas próprias de consumo de cada espécie.
E se não vai a bem, vai a mal. É muito provável que sejamos todos obrigados a diversificar, com a entrada em vigor de legislação europeia que proíbe atirar peixe fora. Em algumas pescarias, só 10% do que vem à rede é aproveitado. A partir de 2019, os pescadores serão obrigados a trazer tudo para terra, num esforço de poupança dos stocks.
Mesmo assim, a nossa pesca até é bastante sustentável, sobretudo se compararmos com a que se pratica na Ásia, ou até em Espanha e Marrocos aqui mais perto. “As nossas técnicas são relativamente artesanais. Respeitamos os habitats e as cotas estabelecidas”, defende a especialista do IPMA, organismo que tem a responsabilidade de inspecionar os mares, monitorizando a pesca e avaliando a evolução das espécies. São os dados recolhidos por estes especialistas, em cruzeiros científicos e no acompanhamento do peixe desembarcado, que servem de base às, por vezes duras, negociações das cotas na Comissão Europeia.
E até na aquacultura, que é vista como obrigatória num mundo onde o apetite por peixe cresce de ano para ano, Portugal é um bom exemplo. Ao contrário do que acontece na Grécia, Turquia ou Ásia, grandes produtores, em que o regime adotado é sobretudo o intensivo, em tanques com grande concentração de animais, no nosso país pratica-se sobretudo a aquacultura semi-intensiva, com aproveitamento de salinas abandonadas. Neste sistema, há mais espaço para os peixes nadarem, o que dá origem a animais mais musculados e saborosos. Num sinal claro de que esta é uma aposta do Governo, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, anunciou esta semana um novo pacote de medidas para o setor, com financiamento público de 80 milhões de euros. Objetivo: duplicar a produção nacional até 2020 e reduzir as importações. Foi ainda apresentado um novo regime de licenciamento das explorações, reduzindo de nove para apenas uma entidade – um pedido antigo da Associação Portuguesa de Aquacultura. Para que não nos falte à mesa o melhor do mundo.
Como saber se o peixe é bom
Olhos – Devem ser brilhantes e salientes
Pele – Firme e húmida. Quando comprimida, deve regressar à posição inicial. Se a marca do dedo permanecer é porque já não está fresco
Guelras – Brilhantes, de cor rosa ou vermelho intenso
Escamas – Brilhantes, unidas entre si, bem agarradas à pele
Rota gastronómica
Se há quem viaje só para beber um bom vinho, porque não há de haver quem faça quilómetros, por terra ou por ar para se deliciar com um peixe bem cozinhado. Portugal figura de proa é um projeto da Associação Portuguesa de Turismo de Culinária e Economia (Aptece) que quer tornar o peixe, de mar e de rio, num pretexto para portugueses e estrangeiros conhecerem o País. Para isso, será feito um guia em papel e numa aplicação, que funcionará como um roteiro gastronómico, com itinerários onde se indica o que comer, em que altura, e o que fazer na região. Eventos como os festivais da lampreia ou do achigã ou a sugestão de uma visita ao museu do bacalhau, em Ílhavo, são um exemplo do género de informação também disponível. A apresentação do guia, dedicado ao Norte, Centro e Alentejo, vai decorrer, em Londres, no restaurante Taberna do Mercado, do chefe português Nuno Mendes.