Nos dias em que uma densa nuvem de pó escuro cobre a vila, os habitantes de Aljustrel sabem que da próxima vez que lavarem os terraços e os pátios, a água vai escorrer negra, como se saísse diretamente do fundo da mina de cobre localizada nas imediações. Basta uma volta pelas redondezas para se perceber que, com a retoma da exploração mineira, em 2009, reapareceram muitas das antigas, e também novas, feridas ambientais. Uma que está a indignar a população tem origem nas poeiras lançadas para a atmosfera alegadamente durante a operação de britagem (trituração) e armazenamento, à superfície, do minério saído do fundo do jazigo. Mas as autoridades oficiais negam que existam riscos para a saúde pública.
Desativada em 2008, por desistência da anterior concessionária, de capitais suecos e canadianos, Lundin Mining, as antigas Pirites Alentejanas reabriram no ano seguinte com novos acionistas e com uma nova designação Almina. A sua exploração, reconvertida para a produção de cobre, foi entregue à I’M, SGPS, dos irmãos Carlos e Jorge Martins, acionistas da Martifer, e também recentes concessionários dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Mas não foi só o nome que mudou. Nestes cinco anos, a estrutura acionista da Almina também se alterou, para acomodar a entrada de Humberto Costa Leite, ex-acionista do Finibanco. De acordo com os números disponíveis, a Almina investiu, até 2012, cerca de 90 milhões de euros dos 130 milhões de euros previstos, empregando cerca de 600 pessoas. Desse montante, cerca de 30 milhões de euros foram atribuídos pelo Estado a título de incentivos.
VÍDEO: O aspeto de um pátio coberto de pó.
Desde que a produção atingiu uma velocidade de cruzeiro, a poluição tornou-se tema obrigatório de conversa na vila alentejana, em que a maioria dos seus 6 mil habitantes depende, direta ou indiretamente, da mina o maior empregador privado do concelho. O passivo ambiental continua bem visível, na ribeira que segue em direção a Beja, com as suas margens amarelas (ver fotos) a atestarem as contínuas descargas de efluentes, efetuadas, no passado, pela mina. As vibrações dos disparos com explosivos, no fundo da mina, para desmonte do minério, também fazem parte do rol de queixas dos populares, indignados com as brechas abertas nas paredes das construções mais antigas. Mas são as poeiras, alegadamente libertadas durante o circuito de britagem e movimentação do minério, na parte em que é processado à superfície, que, nos últimos meses, mais assustam os habitantes. Antigos funcionários da empresa, ouvidos pela VISÃO, indicam que a legislação em vigor é adequada e propõe soluções para o problema, como a rega dos terrenos da área industrial ou dos caminhos por onde se movimentam as máquinas e os camiões de transporte do minério. O melhor acondicionamento, numa espécie de mangas, do minério britado, quando é transportado em telas, poderia igualmente diminuir os impactos sentidos sempre que os ventos empurram a poeira, fina e escura, na direção da vila, salpicando de negro os telhados e os carros estacionados.
Apesar das denúncias dos moradores expressas num abaixo-assinado de protesto assim como numa página do Facebook, os responsáveis da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) não se mostram alarmados. O diretor dos Serviços de Minas e Pedreiras, José Silva Pereira, atribui a existência de poeiras às obras em curso na barragem, onde são depositados os estéreis da mina, nomeadamente ao tráfego de pesados que se faz por caminhos de terra batida também eles passíveis de serem regados para que o pó assente. No dia em que foi contactado pela VISÃO, Silva Pereira afirmou ter pedido os dados do sistema de medição de poeiras instalado na vila, mas que estes não revelavam “nada de especial”.
“É preciso saber que poeiras são. Algumas têm solução, outras não”, disse, garantido, no entanto, ter ordenado o reforço do número de aparelhos de medição. Alertado para a hipótese de a emissão de poeiras ter origem no circuito de britagem, aquele dirigente argumentou que a operação estaria “devidamente encapsulada para não originar poeiras”. Uma tese que não é inteiramente confirmada pelas fotos feitas pela VISÃO, que mostram a existência de amplas aberturas para circulação e ventilação do ar no interior dos locais de armazenamento do minério. Nem a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) nem a administração da Almina responderam, em tempo útil, ao pedido de informação feito pela VISÃO.
Investimento, precisa-se
Jacinto Anacleto, dirigente do Sindicato Mineiro de Aljustrel, aponta o dedo à administração da empresa no que toca “ao pó fininho e negro” que, nos dias mais ventosos, invade a vila, bem como à falta de ventilação que permite a acumulação de fumos, gases e poeiras, sobretudo no interior da mina mas também à superfície. “A administração não nos dá cavaco e a Autoridade para as Condições do Trabalho já foi informada, mas até agora sem consequências”, diz. “Há soluções.
Basta investir”, acrescenta. Condena ainda os salários baixos de 600 euros que, em média, são pagos aos mineiros e restante pessoal da empresa, a existência de contratos precários e a alteração dos horários de trabalho que é feita, muitas vezes, “de um dia para o outro”. Os problemas de segurança, denunciados no passado, deixaram, contudo, de ser prioritários para o sindicato, cujo responsável reconhece o esforço da administração para melhorar a situação.
Mas é a composição das poeiras, podendo conter sílica (causadora da silicose, doença pulmonar que, durante décadas, vitimou gerações de mineiros, de norte a sul do País), que mais preocupa quem vive junto de uma mina localizada praticamente dentro da vila a área industrial da Almina estará situada a menos de um quilómetro de Aljustrel, em linha reta. Estudos feitos por docentes do Instituto Politécnico de Beja alertam para a concentração excessiva de diversos minérios, como o zinco, nos solos agrícolas, aumentando o risco de contaminação da cadeia alimentar. Será esse o preço a pagar por um emprego?