A pulsante e colorida floresta amazónica. A imensidão alva da Gronelândia. As emocionantes estepes subsarianas. Os vibrantes ecossistemas de… Almada?! “A maioria das pessoas não conhece os animais selvagens que vivem nos arredores das suas residências. E as poucas que conhecem, porque já viram alguns desses animais, não sabem muito sobre a sua ecologia ou biologia”, justifica Luís Quinta, fotógrafo de Natureza e, juntamente com Ricardo Guerreiro, autor do documentário Almada – Entre o Rio e o Mar.
Portugal é um país com uma biodiversidade espantosa, face ao tamanho e densidade populacional do território. Mas o populoso concelho encostado à margem sul do Tejo não surge no top óbvio das regiões mais ricas em vida selvagem. O filme promete levar a população a olhar com outra atenção para o que se passa na sua vizinhança. Dá a conhecer, por exemplo, as baleias e os golfinhos que se passeiam nas águas da Costa da Caparica; revela as excentricidades da fuinha-dos-juncos, uma ave comum na zona, que faz os ninhos com teias de aranha e usa peculiares técnicas de namoro; e explica que o esguio fura-pasto, afinal, não é uma cobra, mas sim um lagarto com pernas diminutas.
O documentário de 48 minutos, coproduzido pela Câmara Municipal de Almada, é a segunda aventura cinematográfica deste género do duo de fotógrafos, responsável pelo filme Arrábida da Serra ao Mar, que passou na SIC há um ano, a 6 de janeiro de 2013, e que serviu de principal montra da candidatura da Arrábida a Património da Humanidade, da UNESCO. Mais uma vez, a narração ficou a cargo de Eduardo Rêgo, provavelmente a voz que os portugueses mais associam a filmes sobre a vida selvagem. Mas não é por ter sido feito à porta de casa que Almada Entre o Rio e o Mar foi mais fácil de concretizar. Seja onde for, os bichos não gostam de objetivas.
UM TRABALHO DURO
Filmar a Natureza é das atividades mais complexas do cinema documental. “Trabalhar no mundo natural tem sempre muitas variáveis, desde a meteorologia às dificuldades de acesso a determinados locais interessantes para filmar, à imprevisibilidade dos animais e, mesmo, ao ciclo de vida de muitos dos que escolhemos para trabalhar”, explica Luís Quinta. Antes da partida para o terreno, é delineado um plano, incluindo uma longa e ambiciosa lista dos animais, das plantas, dos cenários e das situações a filmar. Só então, armados com equipamento especializado (e caro) para trabalhar em ambientes terrestres e marinhos e uma dose reforçada de paciência, os documentaristas seguem para o campo. Mas não há garantias de que o programa corra como está previsto.
Ora é uma ave emblemática que afinal não pôs ovos como se esperava, ora é a meteorologia que se recusa a colaborar. Ou, simplesmente, o bicho decidiu não aparecer. E mesmo quando surge, nem sempre se deixa apanhar no plano ideal.
Por outro lado, as situações inesperadas ajudam a compensar algumas falhas. “Neste tipo de produção, tem de existir alguma capacidade de adaptação e criatividade, para ultrapassar os imprevistos”, diz o fotógrafo. Características a juntar a outras, obrigatórias, nesta área: Luís Quinta e Ricardo Guerreiro têm grande experiência em escalada, fundamental para filmar ninhos em escarpas, que se encontram entre os planos mais populares do cinema de Natureza.
Paradoxalmente, foi mais complicado fazer um documentário no concelho de Almada do que seria em zonas mais recônditas do País. Ao contrário do que se esperaria, pela proximidade ao mundo urbano, não há muitos investigadores a trabalhar nos habitats que rodeiam a cidade. Tiveram de ser os dois autores a fazer todo o trabalho prévio, passando dias e dias no terreno, em busca das espécies que sabiam existir na região, a procurar ninhos e a anotar os comportamentos e rotinas dos animais.
TODO UM PAÍS POR FILMAR
Uma das cenas mais inesperadas de Almada – Entre o Rio e o Mar foi filmada depois de Luís e Ricardo receberem uma dica de pescadores, ao largo da Fonte da Telha, quando um mestre lhes disse ter visto um cachalote na zona. Atendendo à profundidade das águas, de apenas 90 metros, os documentaristas sabiam ser pouco provável a presença de um animal que se alimenta a largas centenas de metros abaixo da superfície do mar. Ainda assim, pensando que talvez fosse uma baleia-anã (que, apesar do nome, pode atingir nove toneladas), ficaram pela zona, à procura de cetáceos. Dois dias mais tarde, regressaram ao mesmo sítio e tiveram a sua recompensa, na forma de duas baleias-anãs, filmadas com a Arriba Fóssil da Costa da Caparica a servir de pano de fundo. Como extra, no mesmo dia, ainda passaram algumas horas a filmar duas espécies de golfinhos que assomaram ao local.
Os dois fotógrafos de Natureza não podiam ter ficado mais satisfeitos com o resultado desta sua segunda colaboração cinematográfica, e já têm várias ideias para mais voos. A sua concretização, no entanto, está dependente de financiamento, particularmente difícil de conseguir em Portugal sobretudo quando a produção de um projeto deste tipo ronda os 70 mil euros (isto, no nosso país, usando recursos mínimos; os documentários da BBC podem facilmente custar o triplo).
Nunca será a falta de matéria-prima a impedir futuros documentários sobre a fauna portuguesa, assegura Luís Quinta. “Conhecemos o País de norte a sul, além de todas as ilhas do nosso território, e podemos afirmar que Portugal é abençoado, nesta matéria. Animais maravilhosos e cenários incríveis não faltam.” Até se veem da janela.