Em Março de 2009 o Ministério do Ambiente preparou um decreto-lei para classificar o eucalipto como planta invasora, impondo restrições ao seu uso. Mas subitamente, essa proposta desapareceu. Poucos anos depois, o mundo mudou e o Ministério do Ambiente fundiu-se com o Ministério da Agricultura. Antes de voltar a separar-se em dois, o Ministério da Agricultura e do Ambiente enviou para o Conselho de Ministros uma proposta que não só já não queria qualificar o eucalipto como planta invasora, como abria a porta à liberalização de facto da plantação de eucaliptos.
Em Espanha, o eucalipto é classificado como uma espécie invasora. Na África do Sul, nos Estados Unidos (Califórnia) e na Nova Zelândia também. Tanto em habitats mediterrânicos como o nosso, como em habitats muito próximos do habitat original do Eucalyptus globulus, este é classificado como uma invasora, tomando-se as devidas providências para evitar a sua difusão. Mas comecemos pelo princípio.
A floresta nacional aumentou constantemente de área no último século e meio. Um dos maiores crescimentos em termos absolutos ocorreu entre 1875 e 1938, em que a área terá aumentado mais de 1 milhão e meio de hectares, com a promoção do montado no Sul e do pinhal no Norte. Em 1938 o governo do Estado Novo implementou o Plano Florestal Nacional, que em contraste com a perspetiva florestal governamental anterior, da estratégia da conservação, começou a voltar-se para a produção (principalmente na fileira da resina).
Os pinheiros eram também encarados como espécie pioneira para desenvolver formas mais evoluídas de florestas, como as espécies autóctones tradicionais. Este plano expandiu a floresta em cerca de 400 mil hectares, principalmente pinhal. Enquanto até 1938 era aos privados que cabia a principal fatia de plantação e orientação estratégica, a partir de então passou a ser o Estado a dominar a plantação, embora a propriedade continuasse a ser avassaladoramente privada (os Serviços Florestais plantavam em terrenos públicos e privados).
Até 1989 o Estado foi o principal encarregado das plantações, com parcerias dos Serviços Florestais com a Portucel, na altura uma empresa pública. A área florestal máxima atingida em Portugal ocorreu perto de 1995, a seguir ao pico de área máxima de pinhal, que terá ocupado uma área de quase 1 milhão e 300 mil hectares. Desde então a área ocupada pela floresta tem decaído ligeiramente.
Até à década de 1970 os incêndios florestais, embora frequentes e normais nas regiões do Mediterrâneo, não eram uma preocupação que dominasse o planeamento e a estratégia do setor florestal. Além da mudança da composição florestal que se verificou nas últimas décadas (havendo finalmente nos últimos anos uma troca do pinheiro-bravo pelo eucalipto como espécie dominante na floresta), a acumulação de contínuos de combustível passou a ser uma constante, pela redução do pastoreio, pelo abandono em massa do meio rural e da agricultura de pequena escala e pela invasão do eucalipto.
A subida acentuada do número de incêndios começou principalmente a partir de metade da década de 80, acompanhando o declínio do pinheiro e o início da subida do eucalipto (tendo o número de ocorrências em média subido de menos de 100.000 por ano até ao final dos anos 80 para mais de 250.000 a partir de 1995).
Portugal é o país da Europa com menor área florestal pública. A Europa tem em média 58,65% da sua área florestal sob propriedade e gestão pública, enquanto Portugal tem menos de 2%. A nível mundial, só há registo de três países com menor área pública florestal do que o nosso: as Ilhas Cook, Barbados e o Uruguai. Mais de 85% das propriedades florestais em Portugal têm menos de 5 hectares.
No Norte e no Centro do país predominam os proprietários de áreas pequenas (1 a 5 ha) e muito pequenas (menos de 1 ha), nas quais estão plantados sobretudo pinheiros e eucaliptos. Esta dimensão mínima é agravada pelo sistema da propriedade “indivisa” que retalha as propriedades por vários coproprietários. Estima-se que a área do território nacional abandonada e de dono desconhecido seja mais de 2 milhões de hectares, perto de 20% do território nacional e maioritariamente floresta. É na zona de minifúndio do Centro e Norte e no Algarve que se encontra a maioria desta área abandonada.
O abandono é o maior promotor da entrada do eucalipto na floresta portuguesa. E esta invasora, instalada maioritariamente em pequenos terrenos privados, de donos desconhecidos e abandonados, ocupa esses terrenos não tanto pelas suas modestas características naturais de planta exótica invasora, mas porque é plantada em largas extensões de floresta de forma desregrada e intensiva, seja pela fileira da celulose diretamente ou pelos pequenos privados que recebem as árvores da fileira da celulose.
Esta invasão constitui a transferência de todo o risco de negócio da plantação de eucaliptal das empresas da fileira da celulose para os pequenos proprietários e para as suas propriedades, assim como para todo o país. E esse risco materializa-se sempre. Sempre que as temperaturas aumentam, que a humidade cai e que o vento sopra, é o país que paga a fava. E a floresta arde, regride, recua em termos de evolução ecológica, empobrece, é abandonada e degradada. O ciclo do abandono – eucaliptização – incêndio – eucaliptização – abandono, tem de ser travado.
Podemos escolher ignorar os dados e discutir as vírgulas. Podemos dizer que a composição de uma floresta, o seu estado de má gestão e abandono nada têm que ver com os incêndios. Podemos dizer que não há nenhuma relação entre a mudança da composição predominante da floresta no país do pinhal para o eucaliptal e o “coincidente” aumento dos incêndios. E podemos até dizer que não existe nenhuma relação entre os factos de Portugal ter a menor área pública florestal da Europa, de ter a maior área de eucaliptal da Europa e de ser o país com maior área ardida da Europa, ano após ano. Mas convém não dizê-lo em voz alta, porque alguém pode estar a ouvir.
Este Verão o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei sobre Ações de Arborização e Rearborização que nem sequer foi debatido no Parlamento. Este decreto tem um impacto potencial de dimensão equivalente ao Plano Florestal Nacional do Estado Novo ou à Campanha do Trigo. Onze pessoas, sentadas numa sala, aprovaram uma lei que desarma o Estado da sua própria capacidade de ação e intervenção sobre o território, promovendo a continuação e o aumento dos incêndios florestais no país e a continuação da instalação de uma espécie exótica como a principal espécie florestal do país.
É necessário travar este decreto. É necessário travar esta invasão. E esse é apenas o primeiro passo para termos a mínima hipótese de conseguir parar as sequelas de má qualidade do filme de terror que ano após ano se produz na floresta nacional.
João Camargo
Engenheiro Zootécnico
Engenheiro do Ambiente
Técnico de Intervenção da Liga para a Protecção da Natureza