A Comissão Europeia reconheceu os graves impactos ambientais e sociais dos biocombustíveis provenientes de bens agrícolas e apresentou uma proposta para limitar o seu consumo. Em sentido diametralmente oposto, surge a recente campanha da Associação Portuguesa de Produtores de Biodiesel: “Se não há petróleo em Portugal, planta-se”.
Comecemos na Diretiva de Energias Renováveis de 2009, que estabeleceu a meta de 10% de renováveis no setor dos transportes até 2020. Esta diretiva levou ao desenvolvimento da indústria do bioetanol e, principalmente, de biodiesel na Europa. A grande parte dos biocombustíveis são de 1ª geração, ou seja, produzidos a partir de bens agrícolas como óleos de colza, soja, palma e girassol, utilizados na produção de biodiesel, ou trigo, milho e cana-de-açúcar, utilizados na produção de bioetanol.
Em Portugal, a obrigatoriedade de incorporação de biocombustíveis traduz-se na presença de 7% de biodiesel no gasóleo comercializado, e existem cinco fábricas de biodiesel que importam a quase totalidade dos óleos vegetais utilizados como matéria-prima.
Mas porque é afinal tão errado apoiar a “plantação” de biocombustíveis, tão errado que a Comissão vem propor a alteração da Diretiva de Energias Renováveis?
Os biocombustíveis provenientes de bens agrícolas são maus para a alimentação. Todos os relatórios da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) atribuem o aumento mundial de preço dos bens alimentares à sua procura pela a indústria dos biocombustíveis. Os efeitos deste aumento fazem-se sentir com intensidade variável afetando mais severamente as populações mais pobres.
Os biocombustíveis provenientes de bens agrícolas não são bons para a agricultura portuguesa. Devido a condições edafoclimáticas adversas e escassez de água para regadio, Portugal não consegue suprir as necessidades alimentares em oleaginosas sem recorrer a importações. Como poderemos dedicar os nossos recursos escassos, que não chegam para produzir comida, para produzir biodiesel?
Os biocombustíveis nem sempre são bons para o ambiente. A bioenergia é neutra em emissões de carbono, porque o dióxido de carbono libertado durante a combustão é novamente fixado durante o crescimento das plantas. No entanto, uma cadeia de produção de biocombustíveis inclui outros processos que emitem gases com efeito de estufa: operações de cultivo, fertilização, transporte, processamento e alterações de uso do solo. A alteração de uso do solo necessária para instalar uma cultura implica a eliminação direta ou indireta de um coberto natural (floresta, mato ou pasto espontâneo). As paisagens naturais são reservatórios de gases de efeito de estufa: guardam-nos nos solos não revolvidos, na biomassa aérea e do subsolo.
A procura mundial de óleos vegetais cria especial pressão sobre os cobertos de floresta tropical cuja eliminação, para além das graves repercussões sociais e de perda de património natural, resulta em elevadas emissões de gases com efeito de estufa. É devido às alterações de uso do solo que o biodiesel produzido a partir de soja cultivada no Brasil pode ter emissões de gases de efeito de estufa mais de duas vezes superiores às do gasóleo fóssil que pretende substituir.
Existem alternativas comerciais aos biocombustíveis produzidos a partir de bens agrícolas, exemplos são o biodiesel a partir de óleo usado ou de produtos secundários da indústria agroalimentar e o biogás a partir de resíduos orgânicos. Aguardam-se desenvolvimentos que permitam a viabilidade da nova geração de biocombustíveis produzidos a partir de materiais lenho celulósicos ou de algas que não competem com comida nem com solo agrícola.
No entanto, não será possível satisfazer o grau de consumo energético atual de forma sustentável. A estratégia política terá necessariamente de passar pela promoção da alteração de comportamento e pelo aumento da eficiência energética, medidas com menor custo por unidade de redução de emissões de gases de efeito de estufa do que a atual política europeia de apoio aos biocombustíveis.
A proposta de alteração da Comissão propunha a imposição de um limite de 5% aos biocombustíveis de 1ª geração e a introdução nos critérios de sustentabilidade das alterações indiretas de usos do solo. A votação no Parlamento Europeu aumentou esse limite para 6% e aprovou a contabilização das alterações indiretas de uso do solo apenas a partir de 2015. Resta agora conhecer a posição do Conselho, que reúne os ministros do setor de todos os Estados Membros, sabendo que na primeira reunião Portugal se mostrou contra as alterações. Para aprovação da nova proposta é necessário consenso do Parlamento e Conselho.
Ana Marta Paz
Direção Nacional da LPN
Engenheira Agrónoma
Doutorada em Engenharia Energética e do Ambiente