Falar sobre o Navio de Treino de Mar Creoula significa viajar no tempo. Revisitam-se as memórias de um bacalhoeiro, convertido em navio oceanográfico durante a campanha M@rBis 2013. Poder sentir toda uma história de vida vivida a bordo é para mim, bem como para todos os biólogos e cientistas que integram esta campanha, um privilégio. Sinto-me a navegar numa “ilha” carregada de história em prol da ciência e do conhecimento do mar português.
Navegar a todo o pano sulcando o mar sempre fez parte do meu imaginário náutico. Sentir o vento e as velas enfonadas, o gemido dos cabos e a imponência de uma proa que ruma em busca de mais um pedaço de Portugal, torna-se realidade graças à voz de comando que surge da ponte. O mar, esse tesouro redescobrimos pouco a pouco graças à cooperação com a marinha portuguesa, um aliado perfeito para tornar o país num Portugal maior.
O Creoula nasceu em Portugal à 76 anos, gerado num tempo recorde de apenas 62 dias, resistiu enquanto membro da frota branca a uma vida de mar e estórias em busca do bacalhau. A partir de 1979 adquiriu o estatuto de Navio de Treino de Mar, tendo já embarcado mais de 16000 jovens civis, proporcionando-lhes o contacto com o mar e a experiência de uma vida a bordo.
Também nós participantes da campanha M@rBis assim que pisámos o convés, ainda na base naval do Alfeite passámos a ser instruendos e desempenhamos com brio as tarefas da guarnição do navio. Durante este período de vinte dias a bordo, todos conhecemos uma plena integração na vida a bordo, experimentando as tarefas de um velejador profissional – içar velas, marear o pano, fazer navegação, leme, vigia, até ao trabalho na cozinha, não esquecendo a baldeação do navio e as limpezas diárias. Regras de disciplina rígida, quase militar, fundamentais para quem partilha um espaço confinado durante longos períodos no mar, onde gerir egos é a tarefa mais árdua. Das alvoradas às fainas gerais todos participam ativamente, incentivados pelo imediato João Lourenço que só descontrai noite dentro, quando faz o gosto ao dedo e à voz, com a sua viola para deleite de todos.
Cabe-lhe a dura missão de assegurar que tudo funciona dentro das regras do navio e da marinha. Por vezes assumindo uma postura militarista, fundamental para impôr a regra. Ainda assim sabe que pode confiar as missões e tarefas aos instruendos, grande parte tem já experiência nestas andanças.
“A prestação dos instruendos tem sido fantástica. Sabem o que tem a fazer e respondem com prontidão e eficiência a todas as tarefas de bordo. Com a guarnição reduzida para que caibamos todos no Creoula torna-se fundamental que cada um colabore nas fainas. Quer seja na separação de lixos ou nas fainas de mastros em que todos tem que puxar cabos para que consigamos navegar a pano. Esta campanha requer uma logística específica. Os biólogos trazem muito material para o navio. Até temos um estúdio fotográfico improvisado no convés dentro de uma tenda. No que toca ao abastecimento reparo que este ano estão mais comilões, mas ninguém passará fome.” Refere de forma assertiva o imediato enquanto observa as amostras que acabam de chegar de mais um mergulho exploratório.
“Juntos aprendemos que existe muito mais vida para além do navio. Toda a guarnição aprende imenso sobre a biodiversidade, sentimos que fazemos parte do mundo da ciência durante a campanha. Ficamos ainda mais alerta para a proteção do mar português.” Conclui João Lourenço referindo com satisfação e orgulho que tem pela frente mais um ano de comissão a bordo do Creoula.
Um oceano de metáforas vai surgindo diante dos meus olhos. Contemplo desde a proa toda a estrutura do navio, seguindo as tábuas do convés, de vante até à ré. O doce balanço deste lindíssimo lugre de quatro mastros encaixa-se lentamente na vaga, numa sensual e imponente e sumptuosa navegação. Os “Dorimen” eram pescadores de sonhos e de bacalhau que diáriamente, durante seis meses de campanha nos mares gelados da terranova, viviam isolados nas suas pequenas embarcações, arriscando a sorte e a vida, perdendo-se no nevoeiro, lançavam o isco ao peixe para sustentar famílias inteiras. Vejo a meio navio os mergulhadores que saem nos semi-rigidos em busca do melhor “spot” de mergulho. Recolhem dados e amostras, enriquecendo a ciência e a biologia marinha nacional. A força do mar do norte, bravio e envolto em neblina amedrontava pescadores portugueses. Agora contrasta-se o medo e o mistério com a descoberta e sede de conhecimento do Algarve e da sua biodiversidade onde somos recebidos por águas mais cálidas e transparentes. Os pescadores partiam mar adentro, a sorte de um isco certeiro era a chave do sucesso individual. Hoje os cientistas trabalham em conjunto, cada um transporta o seu talento e partilha a sua experiência, quais peças de um puzzle português repleto de ciência e conhecimento marinho.
O Comandante Cruz Martins durante o seu percurso na marinha iniciado em 1984, conheceu os rumos que o Creoula cruzou outrora na terranova. Comandou as corvetas Honório Barreto e João Coutinho. Conhece bem as águas algarvias, foi capitão dos portos de Portimão e de Lagos bem como da policia marítima local. ” É para mim um orgulho representar a marinha portuguesa e comandar o Navio de Treino de Mar Creoula. O mar português é muito mais do que praia ou o setor das pescas, estas campanhas são autênticas aulas práticas de ciência e biologia marinha. O Creoula é o veículo por excelência escolhido para ser a plataforma que alberga todos quantos querem viver e conhecer mais sobre o mar e as campanhas M@rBis são um ótimo espelho da união entre a marinha e o conhecimento científico.
Ao longo da história, Portugal foi sendo visto como sendo o extremo final da Europa. Essa ideia está a ser amplamente contrariada através do conhecimento científico do nosso mar. Os navios hidrográficos bem como as missões com o veículo operado remotamente (ROV) que faz parte da estrutura de missão para a expansão da plataforma continental, contribuirão para que Portugal passe a ser a porta de entrada da união europeia. Conquistaremos em breve a jurisdição sobre um espaço marítimo alargado bem como todo o seu leito marinho. Portugal está neste momento a investir no conhecimento, também das potencialidades económicas que o mar nos pode dar.
Toda esta missão bem como os seus instruendos surgem a bordo bem preparados, com o trabalho de casa bem feito o que facilita todas as operações de pesquisa. Também as operações de mergulho, não obstante o nosso apoio, decorrem na perfeição, bem comandadas pelo José Tourais. Para nós é fundamental garantir a máxima segurança dos elementos embarcados, pelo que a disciplina e cumprimento de regras é uma prioridade fundamental. Tudo corre dentro do plano que havíamos delineado previamente, pelo que só posso estar amplamente satisfeito.” Reitera o comandante Cruz Martins.
Toda a missão só se torna possível graças a uma guarnição de oficiais e praças que desempenham as tarefas mais técnicas a bordo do Creoula. Cabe-lhes zelar por todo o plano operativo e técnico referente ao navio. Da navegação à casa das máquinas; da cozinha à copa passando pelo tão requisitado bar; do corpo clínico aos eletricistas, os que cuidam de levantar ferro sempre que queremos deslocar-nos para uma nova zona de exploração e os que se responsabilizam pela manobra das embarcações semi-rígidas, todos são exímios e companheiros, ajudam-nos nas tarefas mais civis e no conhecimento sobre os mastros e velas, aquele nó ou como traçar o azimute certo num mar tão imenso.
A cada um deles sem exceção cabe um agradecimento maior por todo o apoio e conforto que nos proporcionam. São marinheiros, vivem apaixonados pelo mar e pela arte de navegar, empenham-se e cuidam da nossa “ilha flutuante” de forma ímpar. Fazem já parte da família, de cada um de nós, da família da ciência e sobretudo de uma família que sabe amar este oceano português de conhecimento científico!
Vídeo: Rui Esteves da Silva/M@rBis 2013
NTM CREOULA
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