Sobre o tema ideias, tenho uma teoria: existem dois tipos, as boas e as originais. As boas ideias por regra não são originais e as originais normalmente não são boas. Comprovei hoje que existe uma exceção, chama-se Ocean Revival, localiza-se no Algarve, ao largo de Portimão. Trata-se de uma estrutura de recifes artificiais constituída por quatro navios da Armada Portuguesa que, em perfeita harmonia com o ambiente e biodiversidade marinha, oferece uma experiência única de mergulho. A ideia é indubitavelmente boa e simultaneamente original, a experiência é extasiante e eu pude comprová-la.
O grande objetivo deste parque de diversão para mergulhadores visa tornar o Algarve como um destino europeu de referência para o turismo subaquático mundial. Um bom e forte escape ao já saturado e em decadência mercado Golfe. Uma boa dose de empreendedorismo, forte empenho e sobretudo uma visão estratégica de futuro conduziram Luís Sá Couto até ao fundo do mar para plantar esta ideia.
Encontrei-me com o Luís a bordo do Creoula, na véspera da visita programada ao parque subaquático. Já o havia fotografado enquanto piloto de automóveis, num passado remoto. No fim de mais um dia da campanha M@rBis, encontrei alguém da minha “família” dos automóveis. Sendo um autêntico homem todo-o-terreno, é um universo de mundos e estórias fascinantes de uma vida ligada à gestão.
Dos automóveis às viagens, passando pela gestão da Accenture, Sá Couto decidiu em boa hora mudar o azimute. A paixão pelo mar e pelo mergulho conduziram-no até Portimão para criar o que a comunidade de mergulho internacional já considera como um dos melhores centros de mergulho do mundo, a Subnauta, sim, leram bem.
Nunca gostei de conter as palavras quando de facto ideias como estas sabem a Mar! Luís Sá Couto avançou para este ambicioso projeto. Preparar, converter e afundar quatro navios da Marinha Portuguesa, incluindo-os numa zona protegida e turística de excelência!
“Quis sair do meio e fazer algo diferente, mais do que um projeto de gestão, criar algo em Portugal que marcasse a história do Mar. Com este ambicioso projeto criámos um sítio inovador que permite colocar o Algarve na rota do mergulho mundial. Adicionalmente, a iniciativa procura gerar um novo tipo de turismo durante a temporada baixa da região, contribuir para o aumento da biodiversidade e preservar a memória das unidades navais, guarnições e patronos. Apesar do bom acolhimento por parte do Chefe do Estado Maior da Armada e da Câmara de Portimão, senti bastante resistência por parte das autoridades, pese embora o facto deste projeto ter passado por três governos distintos, sinto-me realizado por ter conseguido trazê-lo à tona, na verdade…afundei-o. Somos um pais complicado! Gostaria de ter concluído o projeto em dois anos, arrastou-se para seis o que complicou a viabilidade económica, nesta fase de arranque. Todo este processo concluir-se-á com o afundamento a 21 de setembro próximo do navio hidrográfico Almeida Carvalho, depois de termos afundado em junho passado a fragata Hermenegildo Capelo e de termos iniciado o projeto, imergindo a corveta Oliveira e Carmo e o navio patrulha Zambeze a 30 de outubro de 2012. É minha intenção que o Ocean Revival seja já hoje um contributo para a investigação científica, uma ferramenta útil para a biologia marinha, adoro a ideia de fundir o turismo com a ciência”. Estas são as palavras do gestor, que está ligado de forma umbilical à ciência, preservação e biodiversidade marinha.
O meu primeiro mergulho foi no Zambeze. A visibilidade não ajudou mas, à medida que fui descendo e apesar de ter já mergulhado em naufrágios, a expectativa sobre este tipo de imersão agudizou-se. A segurança redobrada e o conhecimento prévio sobre o navio são fundamentais, ainda assim existem sempre alguns perigos inerentes à estrutura naufragada que na verdade colapsa de forma descontrolada. Aqui tudo é diferente, e que bem preparados foram estes afundamentos!
Pude comprovar aquilo que já havia estudado. Todas as zonas tem rápido acesso para o exterior, existindo sempre entradas de luz e nada a impedir as passagens no cavername do navio. Esta embarcação serve na perfeição para perceber que após menos de um ano da sua presença a cerca de 30 metros de profundidade apresenta já uma considerável concentração de vida. Procurei medir um robalo em particular que, curiosamente veio ver quem era o intruso. Rapidamente concluí que não caberia no meu forno, impressionante! Cardumes de cavalas e douradas bem como frenéticos sargos, pequenas garoupas e peixes-porco não me deram tréguas reclamando a propriedade da sua nova “casa”.
Mas o meu foco residia na corveta Oliveira e Carmo. Reservado para o quente fim de tarde, este mergulho seria ainda mais confortável dada a enorme segurança criada em todas as passagens do interior. Enorme, majestoso, as suas formas são facilmente percetíveis pois trata-se de uma estrutura com cerca de 85 metros de comprimento. Aterrei na proa, rumei à ponte onde iria sentir nas mãos o comando, a roda do leme permanece intacta, no entanto um rascasso de bom porte observava as minhas manobras de comandante imaginário. O “must” é a descida pela chaminé, qual pai natal dos mares lá fui descendo ecoando mentalmente “ooh, ooh, ooh”. Cheguei ao motor onde só não fiquei boquiaberto porque necessitava do regulador. Os motores foram totalmente abertos. Os doze cilindros aguardam agora novos inquilinos. Recriando uma exposição de gigantes da indústria motorizada, junto ao bloco repousa um pistão e a sua biela. Que pena não ter sido fotografado com este troféu, só para fazer corar de inveja os meus amigos das corridas.
Passei pelos corredores das cobertas perscrutando uma guarnição fantasma que em missão se movimentava por este mesmo espaço.
O cenário mudou. Agora são os lírios e os robalos que fazem parte deste mundo. As esponjas, e as primeiras formações coralinas dão cor, vida e fazem-nos sentir que o recife já nada tem de artificial. É assim a natureza, pura, autêntica e vibrante. Regenera e adapta-se, saindo raramente derrotada. Um vagaroso nudibrânquio vagueia sobre a estrutura do convés, um digno representante da biodiversidade marinha, contorce-se perante a minha presença. Imagino-o a pedir-me encarecidamente para que eu agradeça ao Luís Sá Couto e à sua equipa este novo e magistral habitat.
Uma verdadeira pérola do mergulho nacional.