Era uma vez uma espécie. Essa espécie, narcisicamente chamada de Homo sapiens, precisava de comer, como as outras espécies. Então caçava, e apanhava frutos. Foi-se reproduzindo e aumentando os seus números. Precisava de mais comida. Caçou e recolheu mais alimento. Ao evoluir foi também melhorando as suas técnicas de caça. Percebeu que nem sempre conseguia apanhar o que necessitava para comer, então aprendeu a cultivar. Os animais que caçava começaram a escassear, alguns foram mesmo extintos. Aprendeu a pastorear. Aprendeu que da Terra não conseguia recolher tudo o que necessitava, indefinidamente. Aprendeu que o planeta vivo precisava de tempo para se restabelecer. Tão inteligente que esta espécie era. Valeu-lhe mais um “sapiens” à frente do nome. Ou assim achou que o merecia.
Esta introdução, que não pretende ser cronologicamente precisa, serve apenas para ilustrar que no passado a nossa espécie foi obrigada a compreender algo da pior maneira, que os recursos não são infinitos. Mas como alguém uma vez disse, só compreendemos aquilo que conhecemos. E eis então que descobrimos que do oceano também vinha comida. Descobrimos a pesca. Quando por algum acaso o peixe desaparecia de um local bastava procurar um pouco mais, lançar mais redes e mais fundo, e eis que reaparecia. E continuámos a pescar. Afinal os oceanos são tão grandes, tão profundos e tão escuros. De certeza que o peixe lá em baixo era infinito. Não conhecíamos, por isso não compreendíamos.
Hoje já há alguns “sapiens” que vão estudando umas coisas e lá vão explicando que o problema de não haver peixe não pode ser resolvido com procurar melhor e mais fundo, tem a ver com o facto de, tal como aconteceu com algumas muitas espécies à superfície terrestre, este estar a desaparecer. Surge a aquacultura. Parece que vamos no caminho certo. Mas parece apenas, porque há outros, com o mesmo termo no nome mas desprovidos do que este significa, que continuam a achar que o Oceano é um saco sem fundo, de onde aparecem peixes por milagre. E contestam políticas de redução de quotas, que visam o tão necessário restabelecimento do planeta vivo.
“Coma pescado”, apela uma campanha lançada há uns tempos pela indústria das pescas, “faz bem à saúde”. Em Portugal, como resposta à crise, os políticos voltaram-se para a agricultura e para as pescas, nas suas campanhas e promessas eleitorais. Para as pescas, não para a aquacultura. Não compreendem, insistem no erro. Faz tanto sentido como um regresso à caça, como resposta às necessidades alimentares.
A pesca, como tem sido conduzida ao longo dos últimos tempos, é um erro. Estamos a pescar até à exaustão dos recursos. O investimento dos estados tem que ser dirigido ao conhecimento sobre os stocks. Mas não basta conhecer, tem que se compreender. A União Europeia deita anualmente para o lixo milhões de euros em estudos sobre recursos pesqueiros, quando ignora os seus resultados na atribuição de quotas. Não basta termos conhecimento, quando não o utilizamos para melhorar a forma como fazemos as coisas.
A extinção é uma realidade. A exaustão de recursos é uma realidade. Por muitos “sapiens” que acrescentemos ao nome da nossa espécie, continuamos a evoluir no sentido contrário ao mais “irracional” dos animais. Num sentido em que nem sequer nos preocupamos com a nossa própria sobrevivência como espécie…