Após vários dias em que a chuva não nos largou, o sol finalmente aparecia ainda que de forma tímida. Aproximava-me de Lisboa pela Ponte Vasco da Gama e, no horizonte, apesar de ser segunda-feira de manhã, notava-se claramente um tom acastanhado que se estendia da superfície a uma ou duas centenas de metros em altitude.
Em causa estavam as condições meteorológicas que favorecem a má qualidade do ar – uma noite e manhã frias, sem vento, criando uma inversão térmica e emissões poluentes do tráfego da manhã. As partículas, óxidos de azoto, alteravam assim as cores de uma manhã com algum nevoeiro e simbolizavam um dos problemas ambientais que têm marcado Portugal desde há muitos anos – a poluição do ar.
Efetivamente, desde há vários anos que muitas estações de monitorização da qualidade do ar, particularmente aquelas localizadas em zonas urbanas (Lisboa e Porto e arredores) e principalmente as junto de elevado tráfego, excedem os limites fixados por legislação nacional e europeia no que respeita ao poluente partículas inaláveis (PM10).
Mais do que o cumprimento legal aquilo que nos deve preocupar são as consequências para a saúde pública e, no caso de alguns poluentes, também para os ecossistemas. Estamos a falar de uma redução da esperança de vida, do aumento das doenças, e vários estudos efetuados para o caso de Lisboa, nos últimos anos, quantificam exatamente isso, com grupos mais sensíveis como as crianças, os idosos e as pessoas com problemas respiratórios a serem os mais afetados.
Numa nota recente, o Comissário Europeu do Ambiente, Janez Potocnik, mencionou que a poluição do ar, em si, impõe custos muito maiores sobre a economia e por isso não tem sentido dizer-se, como alguns ainda argumentam que, em tempos de graves dificuldades económicas, medidas de poluição do ar são muito caras. Se se considerar todos os custos, ter um ar mais limpo é um investimento que faz muito sentido económico.
A estratégia temática para a qualidade do ar delineada em 2005 concluiu que há uma perda média da esperança de vida na União Europeia de mais de oito meses devido à emissão de partículas para a atmosfera, o equivalente a 3,6 milhões de anos de vida perdidos anualmente. Em termos monetários, estimou-se que os custos associados estariam entre 189 e 609 mil milhões de euros, por ano, em 2020. Se não fizermos nada, vamos ter 200 mil mortes prematuras na Europa até 2020, devido à emissão de partículas.
Se a situação até tem revelado algumas melhorias, em particular no que respeita as partículas, é um facto que estamos ainda longe de conseguir cumprir os objetivos legais, mesmo com planos de melhoria da qualidade do ar que no caso de Lisboa e Porto têm no papel muitas medidas ainda por aplicar, ou medidas que já estão em vigor mas com um grau de exigência abaixo do calendarizado (caso da Zona de Emissões Reduzidas em Lisboa, cujos resultados têm sido positivos, mas há ainda muitos veículos antigos de não residentes autorizados a circular, bem como os táxis, por vezes com vinte ou mais anos).
Com a crise económica, o ambiente (com consequências para as pessoas) deixam de ser devidamente acompanhados. Por outro lado, veja-se o número de estações de monitorização da qualidade do ar que está a funcionar regularmente em Lisboa, ou a previsão da qualidade do ar à escala nacional que está suspensa desde meados do ano passado.
O incumprimento por parte de Portugal já mereceu uma condenação do Tribunal de Justiça Europeu em 2012 e a Comissão Europeia prepara-se para uma nova de vaga de processos cujo objetivo é mesmo que o país pague uma multa diária até conseguir cumprir os limites fixados na lei.
Ao mesmo tempo, a Europa lança um conjunto de iniciativas públicas e jurídicas de revisão da sua política relativa à qualidade do ar e à poluição atmosférica, instituindo o ano de 2013 como “O ano do ar”.
Oxalá saibamos aproveitar em Portugal este protagonismo para darmos passos significativos na melhoria de algo tão essencial para nós – podemos sobreviver semanas sem comer, dias sem beber, mas apenas alguns minutos sem respirar.