O que é uma cidade? A cidade é, provavelmente, seja ela Roma ou Tóquio, Tombouctou ou Lisboa, a mais complexa e coletiva realização humana alguma vez concebida na história. A cidade é uma construção contínua de habitats, de agrupamentos de populações num determinado espaço geográfico, onde ocorrem relações e intercâmbios da natureza mais diversa: bens, serviços, conhecimentos, simbolismos, afetos, política. Para tal, a cidade sustenta-se em estruturas físicas (de habitação, de circulação, de comunicação) e em redes de distribuição (de bens essenciais, de energia, de informação).
Para tudo isto funcionar, a cidade exige valores e normas de habitabilidade, de relacionamento, de produção e de reprodução, de mobilidade. As cidades são notáveis acumuladores de energia humana. Por isso provocam enormes externalidades, quer positivas quer negativas.
Daí o seu enorme fascínio, com suas luzes e sombras, e serem vistas e sentidas, em simultâneo, como horrendos infernos ou fabulosos édens. Daí serem a chave das civilizações, de Atenas a Roma e de Nova Iorque a Xangai. Daí serem a chave da humanidade.
As cidades são os grandes polos vertebradores do planeta, os focos de irradiação cultural, os centros de inovação tecnológica, os motores da economia mundial, os leit-motivs de ficção e de utopia, os esteios da transformação social.
CIDADE, SOCIEDADE E POLÍTICA.
Desde Platão que sabemos que a Polis a cidade e a política é, antes de tudo, a cidadania. E desde Aristóteles que sabemos que só nos tornamos verdadeiramente humanos através da participação e da ação na comunidade. A governação, a regulação e o exercício do urbanismo na cidade envolvem poder, território, organização e cidadania. Em democracia, a cidade exige uma governação sustentada em normas, valores e processos coletivos, não podendo deixar-se cair no simples favorecimento de interesses e de comunidades parciais.
De forma simples, poder-se-ão colocar por quatro grandes ordens de pensamento e de ação, os compromissos de desenvolvimento urbano: na forma da cidade e nos dilemas entre compacidade e dispersão pelos territórios onde estas se estruturam; na funcionalidade da cidade, e nos dilemas entre complexidade e especialização; na coesão social, e nas escolhas entre integração ou segregação social; no seu reconhecimento e identidade, e no aprofundamento da nossa cumplicidade com ela, ou numa fragmentação cognitiva.
A CIDADE, HOJE E AMANHÃ.
A condição urbana é metáfora viva dos nossos paradoxos, dilemas e possibilidades. A maioria das cidades de hoje são metacidades ou mesmo hipercidades, estendidas as suas influências por vastas escalas e territórios espacio-relacionais e pelas mais diversas perceções de quotidianos, de sofrimentos e de oportunidades.
Nesta época fascinante, novas e magníficas oportunidades de desenvolvimento, de inclusão e de justiça, de qualidade de vida se podem formar e expandir. Em Faro, em Copenhaga ou em Nairobi. Como as consolidar? Com inteligência, estratégia e compromisso coletivo. Inteligência global, decerto, mas muita inteligência local, desde logo.
O sucesso de cada polis dependerá, cada vez mais, de si própria, e em si própria. Reidentificando o indivíduo e a sociedade, com a cidade e tudo o que ela significa. Como escreveu Jorge Luis Borges, “a cidade impõe-nos o terrível dever da esperança”. E sobre o papel e o lugar de cada cidade para o nosso amanhã, diria como Galileu, quando observava as estrelas no seu telescópio, e foi questionado sobre qual a estrela central do universo: “Toda, e qualquer estrela, pode ser o centro.”
Bibliografia recomendada
- CIDADE E DEMOCRACIA
Álvaro Domingues
(Argumentum) - METAPOLIS
François Ascher
(Celta) - CITY WORLDS
Doreen Massey, John Allen e Steve Pile
(Routledge) - LA CIUDAD CONQUISTADA
Jordi Borja
(Alianza)
Quem é João Seixas?
Nascido em 1966, João Seixas é geógrafo e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Mestre pela London School of Economics em Urban and Regional Planning e doutorado pela Universidade Autónoma de Barcelona em Geografia Urbana, coordena diversos projetos de desenvolvimento e regeneração urbana, sendo um dos comissários da Carta Estratégica de Lisboa