Ninguém contestaria se lesse no princípio de mais um dos meus, esparsos, escritos que as origens do problema do aquecimento global se encontram na chamada revolução industrial. Tal como quedaria surpreendido se, na continuação se defendesse que, apesar de um aumento regular de gases com efeito estufa a partir dessa altura, esse aumento não se compara com o que aconteceu a partir da década de 50 do século passado.
Como já percebeu, o meu uso do condicional é meramente retórico. E o título apesar de ser uma alusão direta à década que me viu nascer, não aparece por razões autobiográficas, mas ambientais. Mas o que é verdadeiramente interessante é também perceber a razão pela qual todos (ou quase) continuam a bater na “pobre” revolução industrial como origem de todos os males climáticos. Claro que, em ciência e na vida, se devem distinguir entre as chamadas causas distais das proximais. A revolução industrial pode ser uma causa distal mas o facto de não detetarmos as causas proximais e logo entendermos as razões psico – económicas e políticas que nos meteram nesta situação, impede uma melhor compreensão daquilo que temos que fazer para sairmos dela.
Por esta altura o leitor está cansado da minha escrita algo gongórica, e pede-me para descrever claramente ao que venho.
E, na verdade, a tese resume-se facilmente: o início da revolução industrial pode-se situar facilmente na segunda parte do século XIX e, partir dela, o mundo assistiu a um aumento das emissões de CO2. No entanto o crescimento, ao contrário do que o “senso comum ambiental” nos fez crer, manteve-se relativamente baixo quando comparado com o que aconteceu depois dos anos 50. E o mais tristemente irónico, foi em 1957 que o geofísico Hans Suess e o oceanógrafo Roger Revelle descobriram que o conteúdo em dióxido de carbono na atmosfera tinha subido muito desde a sua primeira medição em meados do século XIX.
Os leitores não podem deixar de, neste momento, confrontar o acima transcrito com a memória que recuperam, dos gráficos de emissões de CO2 que mostram claramente o aumento a partir dos finais do século XIX. Essa perceção é consequência da escala, pois concentra-se geralmente dez séculos num só gráfico perdendo-se variações significativas em períodos mais curtos.
Quando os cientistas acima mencionados compararam o aumento de concentração de CO2 chegaram à conclusão que esta tinha aumentado continuamente, de 297 ppm em 1900 para 316 ppm em 1957. O que já era preocupante. No entanto o valor por volta de 2000 era de 395. Se pensarmos numa extrapolação simples entre os primeiros dois valores só deveríamos chegar ao valor atual em 2212. Ou seja em cinquenta anos a taxa de crescimento de emissões cresceu radicalmente e é a ela que devemos grande parte da urgência da resposta.
Não será difícil de entender que algo de dramático aconteceu desde a década que me viu nascer. E como se explica tudo isto? Primeiro que tudo, existe o perfil de recursos energéticos consumidos e a sua quantidade. Enquanto antes da II Grande Guerra essencialmente aquilo que era consumido era carvão e petróleo (proveniente de fontes superficiais) no inicio da década a essas fontes juntou se de uma maneira radical o chamado petróleo bruto e, mais tarde, o gás natural. Dito de outra maneira, se entre 1900 e 1950 e mundo passou de um consumo anual de cerca de 25 para 80 terajoules, entre 1950 e 1990 chega cerca dos 300.
Ademais, é mesmo possível descrever como esse crescimento aconteceu em todo o mundo, primeiro nos USA, descolando a partir do final de 40, na Europa em 50, e na Rússia e Ásia-Pacífico um pouco mais tarde.
O mesmo se pode dizer da população que, apesar de passar de 1,6 mil milhões para 6, entre 1900 e 2000, cerca de 80% desse crescimento acontece nas últimas cinco décadas (particularmente nos anos 60). Como já foi defendido aqui o animal humano comporta-se como os outros animais e quanto tem muito, reproduz-se muito (apesar de haver algumas novidades nesse domínio a que voltaremos). Aliás, não houve outro período na história humana onde a riqueza (medida em PIB, desculpem) cresceu tanto em tão pouco tempo (mesmo nos países mais pobres).
Mas isto é a descrição e não a explicação. Essa encontra-se num conjunto de fatores que têm que ver com opções politicas e económicas e que acentuaram a psicologia de consumo típica dos humanos.
A política de subsídios da indústria petrolífera que já tinha começado há muito, nos EUA, continuou, apesar de se começar a importar petróleo. A essa política de baixos impostos juntou-se uma radical baixa de preços na exploração, cujo incrível aumento de produção fez aumentar a procura de forma radical. Isso teve consequências não só no modo como nos movimentamos, mas também no modo como comemos. Grande parte da alimentação é hoje uma alimentação movida a petróleo (com a produção de nitratos e com as máquinas que usamos) – ou seja a chamada revolução verde é essencialmente uma revolução energética baseada num petróleo a baixo custo.
Enquanto os salários aumentavam em termos reais, o que levava a que coisas que implicavam altos inputs de força de trabalho fossem substituídos por automatismos baseados na energia barata, o preço dos combustíveis de facto baixava continuamente. É a isto que muitos chamam a “grande anomalia preço energia” e que está na origem do desperdício da presente sociedade industrial (ver a este respeito o trabalho de Christian Pfister).
Baseados numa tentativa de reconstruir a Europa depois da guerra e de aumentar a distância do bloco socialista, os governos, liderados pelo americano, apostaram no petróleo apesar de reconhecerem a dependência futura. Mas não previram o que aconteceu e como é muito difícil taxar o que não se taxou antes não têm tido coragem de mudar.
A síndrome dos 50 tornou-se a síndrome do presente e nada parece capaz de o fazer parar. E isso apesar de todas as retóricas ambientais. Talvez apenas uma crise forte, ou um conjunto de crises; como aos políticos (que são a emanação do interesse percebido dos que governam) falta coragem de mudar o paradigma de impostos, serão derrotados pela incapacidade de encontrarem dinheiro para manterem a enorme infraestrutura que criaram. Tal como não resistirão a uma procura de energia fóssil cada vez mais global que vai condicionar os preços de combustíveis que, muito provavelmente, vão subir e descer como uma montanha russa perturbando o crescimento económico.
A prosperidade que o mundo, particularmente o “nosso”, tem gozado nos últimos 50 anos é baseada numa “grande anomalia” que, como todas, passará deixando para trás um rasto sangrento tanto do ponto de vista humano, como ambiental. Provavelmente os governos que perceberem isto mais rapidamente serão os que mostrarão uma vantagem competitiva. E, mais importante, diminuirão o sofrimento do seu povo a médio prazo.
Mas a isso voltarei.