Antes de mais o meu pedido de desculpa, ao leitor e à DECO, por alguma publicidade enganosa com o título que emprestei a este texto. Também os defensores dos animais podem embainhar as suas espadas em segurança. Este texto não virá aqui defender a experimentação animal na indústria da cosmética.
Sou um confesso fã de tartarugas marinhas. Pela sua ancestralidade; pelo seu fantástico ciclo de vida; pela sua resiliência, ainda que sujeitas a todo um conjunto de ameaças ao longo de toda a sua vida, mesmo antes de saírem do ovo; e pelas fantásticas adaptações ao meio onde habitam que desenvolveram.
Trata-se de um grupo em que 6 das 7 espécies descritas se encontram sob algum estatuto de proteção, devido à redução do seu efetivo populacional derivado das ameaças a que são sujeitas. A maior parte dessas ameaças com origem humana.
Mesmo com todas as dificuldades inerentes ao facto de habitarem o meio marinho, as tartarugas marinhas são um dos grupos de répteis mais bem estudados por muitos cientistas à volta do mundo. O simpósio internacional, que anualmente é organizado para partilharem os seus avanços e recuos, costuma congregar mais de 500 participantes em cada edição.
Não obstante todo este investimento científico, ainda há muito de desconhecido sobre este tão ameaçado grupo. Um dos mistérios que sempre intrigou os cientistas que se dedicam ao estudo destes répteis marinhos é a fase denominada de “lost years” – “anos perdidos” – já que, durante alguns a muitos meses, as jovens tartarugas se afastam das zonas costeiras e da observação direta dos cientistas.
A tentativa de revelar esse mistério teve como obstáculos o peso demasiado grande, para as recém-nascidas, dos emissores de satélite que normalmente permitem seguir os movimentos a estes seres marinhos, e a dificuldade de acoplar os mesmos a uma carapaça em rápido crescimento, regularmente imersa no meio corrosivo para os fixadores, normalmente utilizados na carapaça, que é a água do mar.
Para o estudo produzir resultados, os emissores teriam que permanecer acoplados mais do que um ou dois meses, como acontecia até à data com os testes efetuados. Como fonte de abastecimento de energia os novos emissores utilizam agora a energia solar, o que permitiu reduzir em muito o peso das baterias.
E foi num daqueles momentos de observação do quotidiano que uma cientista decidiu experimentar a aplicação de uma camada de um verniz de acrílico, que os profissionais de manicure costumam utilizar para as unhas, à carapaça da tartaruga, acoplando o emissor e o forro de neoprene com um adesivo e cobrindo tudo com silicone. A associação que fez, enquanto admirava a manicure de uma sua colega e coautora do estudo, foi que tanto as unhas como a carapaça das tartarugas são feitas de queratina. Deveria funcionar.
E assim a cosmética entrou ao serviço do estudo das tartarugas marinhas.
A combinação permitiu já a marcação de 7 tartarugas com estes emissores, que se aguentaram em média cerca de 70 dias, permitindo a obtenção de dados importantes para o desvendar do mistério dos primeiros meses.
Trata-se de uma potencial descoberta, a do que se passa nesses “anos-perdidos”, de particular interesse para os biólogos que estudam estes animais em Portugal, dado que a maioria dos espécimes que aparece nas nossas águas é ainda juvenil, muitos acabados de ultrapassar a fase referida.
Não pretendo substituir-me aos jornalistas e dedicar-me apenas a pouco mais do que traduzir notícias lidas em outros meios de divulgação. Creio que o que procurei foi partilhar algo de positivo conseguido pela ciência de hoje, ao serviço da vida selvagem; algo que não apenas mais uma descoberta de números de populações em declínio, de valores perigosamente altos de gases de efeito de estufa, de taxas de consumo superiores às de reposição.
Quis, talvez, partilhar um pouco do porquê de valer a pena continuar.