Se há tarefas difíceis na gestão do espaço público são, seguramente, as que acarretam ruído. Poucos terão meditado, com o mínimo de profundidade, sobre a sua razão de ser, as suas condicionantes e implicações, mas decerto que já muitos terão reclamado pelo facto de, num qualquer momento, terem sido incomodados com o barulho inerente a um camião de recolha de lixo, a uma varredora a operar numa artéria do nosso local de residência, a uma equipa de lavagem de estradas, até por um simples sistema de rega de espaços verdes – e tantos outros exemplos poderiam ser dados.
Esta matéria, desde sempre controversa – e em relação à qual nunca se chegou, nem nunca se chegará a consenso, estou absolutamente convicto – tem implicações sociais, operacionais e logísticas inimagináveis para o comum dos mortais, sobretudo se forem pessoas distantes desta realidade.
Se se opera às 23 ou 24:00 é porque é a hora de nos deitarmos. Se o mesmo é feito às 2:00, 3 ou 4 horas da madrugada, acossam o melhor do sono. Às 5:00 ou às 6:00 … é lamentável porque nos temos de levantar às 7:00 e já não conseguimos dormir. Se a ação é levada a cabo às 7:00 ou às 8, como é possível causarem-nos tantas filas de trânsito quando todos se deslocam para os locais de trabalho? Às 10:00 ou às 11 … é um absurdo que se incomodem os transeuntes e o comércio ? Às 13:00 … que aborrecimento levarmos tanto tempo no trânsito apenas para irmos almoçar aqui mesmo ao lado, para além de termos de suportar este ruído impossível, este escorrimento de água ou este cheiro desagradável. Às 17:00, 18, 19 ou 20 horas, é uma vergonha estes trabalhos estarem a ser realizados quando regressamos a nossas casa e estamos cansados depois de um dia de trabalho. Às 21 ou 22, é inconcebível que se faça barulho porque estamos a deitar os bebés ou as crianças…
Esta é a realidade do nosso quotidiano e reveste-se de pertinência e até alguma razão, por parte dos que reclamam pelo seu conforto.
Mas depois, e como contraponto, suscitam-se as questões operacionais:
Como é que é possível lavar estradas ou passeios, sem molhar ou incomodar as Pessoas, às 7:00, 8, 9, 10, 11, … 22, 23:00 horas ? O mesmo se pode dizer quanto à varredura mecânica nos centros urbanos; e como é que nestes mesmo locais se procede à varredura, quando estão centenas ou milhares de veículos estacionados sobre os espaços que têm de ser intervencionados ? Como conseguimos recolher contentores de lixo, ecopontos, ilhas ecológicas etc…. no horário diurno e sem colocar em causa a normal circulação e fluidez do trânsito, bem como a segurança de pessoas e bens ? Como é possível lavar túneis, escadarias e outras vias … sem ser de noite ou de madrugada ? Em que altura do dia é que é viável lavar contentorização, sem molhar ou sujar os utentes dos equipamentos ?
Enfim, são dúvidas metódicas insanáveis, com respostas para todos os gostos, mas invariavelmente impossíveis de a todos (ou mesmo à maioria) satisfazer. Vários apresentam alegadas soluções, com bondade é certo, mas que logo se revelam inexequíveis, perante questões técnicas ou operacionais, para já não abordar as financeiras.
Restam poucas ou nenhumas possibilidades para resolver estas equações, principalmente para os que sobre elas têm de tomar decisões. Mas importa perceber que se estas atividades se realizam, são para o bem público, e é em grande medida este mesmo público, que dá origem a estas necessidades. E até por esta relação causal, talvez se possa e deva pedir compreensão para a real perceção das dificuldades subjacentes a algumas tarefas, sem as quais, aliás, a nossa vivência seria muito mais difícil, se não mesmo impossível.