Haverá algo mais nas orelhas de um lince que seja igualmente importante para a sua sobrevivência do que a sua capacidade de captação de som? Terão os olhos grandes de uma foca importância adicional para a sua sobrevivência para além de lhe conferirem uma elevada capacidade de visão dentro de água? As características externas de um animal podem definir o seu destino, e não falo apenas da sua adaptação ao meio onde habita.
Todos nós temos um sentido de estética. E ainda que gostemos tanto de apregoar que o mesmo é subjetivo, a verdade é que na maioria dos casos temos gostos mais ou menos parecidos. Coloquem um grupo de pessoas a escolher entre uma barata e um coelho, ou entre uma ratazana e um golfinho, e acredito que o consenso prevaleça.
E se esse sentido de estética, ou o que desperta o nosso interesse, nos compele a escolher aquilo que consumimos, os locais que visitamos, também é verdade que o mesmo entra em campo noutras situações. A forma como olhamos para o mundo natural prende-se muito com aquilo que nos surge como belo ou interessante. Alguns estudos detetaram interessantes tendências no ser humano de considerar mais meritórias de proteção espécies que se assemelhem ao próprio – quer em aparência quer em comportamento – (e.g. primatas) espécies de maiores dimensões (e.g. elefantes, leões), e espécies cuja estética seja mais atrativa.
E se nesta classe se encontram políticos, decisores, ou potenciais contribuidores de angariações de fundos, a verdade é que os próprios investigadores da vida animal não são imunes a uma eventual parcialidade. Os grandes mamíferos e os répteis, segundo outro estudo que analisou o número de publicações no mundo animal por grupo zoológico, são alvos preferenciais de investigação, ao passo que pequenos mamíferos e anfíbios são os parentes pobres do meio científico. As aves, segundo os autores, encontram um meio-termo nesta classificação de paixões científicas. Outras características entram em campo, na escolha de quem se dedica a estudar estas espécies, como a sua utilidade para o homem (e.g. anfíbios ou pequenos mamíferos utilizados como cobaias), se para este constituem um problema (e.g. pragas), o interesse pelo seu sistema social (e.g. suricatas), ou a proximidade geográfica da instituição que os estuda.
Tudo isto influencia a forma como são disponibilizados os fundos para a proteção da natureza, assim como as escolhas dos cientistas que se disponibilizam para a estudar.
Os políticos protegerão mais facilmente animais pelos quais sintam alguma empatia mas também, e em particular, pelos quais os seus eleitores se sintam atraídos. Será que o governo daria honras ministeriais a um projeto que envolvesse medidas de conservação do rato-de-Cabrera (Microtus cabrerae), como deu ao lince-ibérico (Lynx pardinus) quando enviou o Ministro do Ambiente à inauguração do seu Centro de Reprodução de vários milhões de euros? Não digo que o lince não o mereça. Afinal, para além de extinto no nosso território, quem consegue resistir àquelas orelhas pontiagudas e ao olhar parecido com o do gato que temos deitado aos nossos pés? Mas será o outro mamífero, por ter o prefixo “micro” na sua classificação, merecedor de atenção e financiamento apenas em proporção ao seu tamanho?
Com demasiada frequência, em particular nos dias que correm, o ser humano será chamado ao papel de Deus, que tantas vezes gosta de assumir, para decidir quais das espécies ameaçadas merecem sobreviver ou não. Nessa altura, talvez não seja má ideia para algumas arranjarem um consultor de imagem ou um bom diretor de Marketing. É que, aparentemente, quer para leigos quer para cientistas, o planeta do futuro não é para os feios, pequenos e desinteressantes.
Leituras adicionais:
- Gunnthorsdottir, A. (2001).Physical attractiveness of an animal species as a decision factor for its preservation. Anthrozoös, 14(4): 204-215
- Trimble, M. J. and Van Aarde, R. J. (2010). Species Inequality in Scientific Study. Conservation Biology 24(3): 886-890.