Em 2005, o arquitecto e ecodesigner italiano Marco Capellini fundou o projecto Remade in Italy, com o objectivo de criar objectos de design bonitos, funcionais e de grande qualidade, a partir de materiais reciclados. Este ano, a iniciativa alargou-se a Portugal, com a participação de nomes como Álvaro Siza, Alda Tomás, Luís Buchinho, Filipe Alarcão, entre muitos outros. Em entrevista à VISÃO, Capellini explica a importância de informar o consumidor para que também ele possa intervir nesta nova estratégia do design.
Colaborador de empresas como a Indesit, a Fiat ou a Tetrapak, o ecodesigner tem contribuído para o desenvolvimento de produtos e serviços com um impacto ambiental reduzido. Em 2002, fundou, também, a MATREC, o primeiro banco de dados italiano de materiais reciclados. Por um mundo mais verde e um consumo mais consciente.
Como surgiu o Remade in Italy e agora o Remade in Portugal?
Havia a necessidade de ter no mercado objectos com menor impacto ambiental e de criar uma nova estratégia para o futuro: novos produtos feitos com materiais reciclados, com um bom design e grande qualidade. É muito importante encontrar novas soluções para os produtos que impliquem um gasto menor de energia e de materiais e poluam menos… O projecto tem tido sucesso e a nossa ideia é criar um Remade in Europe, convidando outros países a entrar nesta rede e a trocar experiências e informações.
Para um designer, qual é a diferença entre os materiais reciclados e os virgens?
Num projecto normal, começa por se decidir qual o produto, o target, o mercado. Aqui, vejo o desperdício primeiro e faço o caminho inverso. Quero perceber o que aconteceu durante o ciclo de vida de um material e como é o processo de reciclagem: pré-produção, produção, transporte, desmantelamento, recuperação, reutilização. Esta é a grande diferença. É importante escolher a tecnologia certa, os materiais, e conhecer a política ambiental da empresa. Quando se têm todas estas informações, pode começar-se um novo projecto.
Mas ainda existe a ideia de que os materiais reciclados não têm qualidade…
“Blá, blá, blá”… É a velha canção. A resposta a isso é a rede Remade in, com objectos que têm um design excelente e uma grande qualidade. Em muitos casos, é impossível perceber que se trata de materiais reciclados não há diferença aparente. Mas, também por isso, é importante comunicar com o consumidor, dizer-lhe que determinado objecto foi criado com materiais reciclados. Isso ajudará a mudar as mentalidades.
Acredita que um objecto pode educar as pessoas?
Sim. Os novos objectos têm de assumir uma nova identidade para serem responsáveis no confronto com o utilizador, o mercado e o sistema em que se inserem. Os novos produtos têm de falar connosco, contar a sua história e ser sustentáveis do ponto de vista ambiental e social. Esta é a nova estratégia. Nem chega só a questão ambiental. É necessário ir além disso e trabalhar para um produto com responsabilidade social – que tenha tido um impacto ambiental menor, que seja feito com trabalho legal e que tenha um preço justo. Não quero comprar um produto feito na China num buraco negro, por crianças que trabalham 24 horas por dia. Por esta razão, é importante criar novos produtos com uma identidade defi nida. O consumidor deve distinguir os materiais que são amigos do ambiente dos que não são. Porque, para se escolher, impõe-se estar informado. Entre dois objectos, prefi ro o que tem materiais reciclados e cuja empresa adopta uma política ambiental. Tem de haver uma estratégia de responsabilidade. O consumidor deve ser responsável pelo produto que compra.
Mas o preço dos objectos feitos com materiais reciclados é ainda um problema …
Não é verdade. Quando se compra papel reciclado, sim, é mais caro do que o virgem. Mas existem outros exemplos? Não. Muitas vezes, compram-se e usam-se objectos produzidos com materiais reciclados mas nem se faz ideia de que o são. A clássica cafeteira italiana é agora feita com alumínio reciclado. Há muitos produtos no mercado feitos com materiais reciclados e as pessoas não sabem. Mas é importante informar, explicar ao consumidor porque é tão importante reciclar. Por exemplo, mostrar que um casaco pode ter na sua composição o plástico de 35 garrafas ou que um banco pode ser criado com o plástico de 76 embalagens de detergente. É importante que o consumidor perceba o que pode acontecer quando põe uma garrafa, plástico ou papel no contentor de reciclagem.
Este interesse pelo ecodesign não pode ser apenas uma moda passageira?
Não é uma moda. É o futuro. Porque há muitas leis sobre os objectos que respeitam o ambiente. Neste momento, em Itália, todos os componentes electrónicos são recolhidos e reciclados, tal como as pilhas, as baterias dos carros, etc.
Toda a gente está convencida de que esta é uma questão séria?
Claro. Basta ver o aquecimento global e a desertificação do planeta. Não é a minha opinião. Isto não é um reality show é a realidade.
Está optimista? Acredita que daqui a uns anos todo o design será ecodesign?
Sou sempre optimista, porque este é o meu trabalho. Não sou ecologista, sou um designer industrial, mas fi co contente quando vejo que muitas empresas estão a desenvolver políticas ambientais porque acreditam que isso é importante para todos nós, para o mercado, para o consumidor. Acredito que, no futuro, será mais fácil comprar verde e usar menos energia, respeitando o ambiente.