Os navios são fontes significativas de emissões de gases com efeito de estufa – estima-se que 3% das emissões globais tenham origem no tráfego marítimo. Mas as chaminés das embarcações emitem mais do que gases com efeito de estufa: entre os poluentes, encontra-se o dióxido de enxofre, que tem impactos tremendos na saúde humana.
Para travar essa poluição, a Organização Marítima Internacional (IMO), órgão das Nações Unidas, decretou uma redução da quantidade de enxofre permitida nos combustíveis de navios em 80%. Uma decisão que parece uma vitória para o planeta e que poderá evitar 30 mil mortes prematuras por ano.
Contudo, esta decisão poderá também contribuir para o aumento do aquecimento global, uma vez que as partículas de dióxido de enxofre, suspensas na atmosfera, bloqueiam parte da radiação do sol. Como explica Michael Diamond, professor do Departamento de Ciências da Terra, Oceanos e Atmosféricas da Universidade Estatal da Flórida, EUA, esses gases expelidos pelos navios formam “nuvens prateadas com revestimento escuro” que provocavam arrefecimento, uma vez que refletem a luz solar.
Atualmente, os cientistas estão a estudar se a diminuição de emissões de dióxido de enxofre acelera o aquecimento global. Esta é uma hipótese controversa que não reúne consenso entre os académicos, mas que está a ser colocada em cima da mesa, especialmente depois de 2023 ter registado temperaturas “atípicas”, como caracteriza Olaf Morgenstern, cientista do Instituto Nacional de Pesquisa Hídrica e Atmosférica da Nova Zelândia.
Os investigadores concordam que o aumento da temperatura global no ano passado foi impulsionado pelo El Niño, um fenómeno climático natural com impacto no aquecimento da temperatura média global, num planeta já de si mais quente devido às emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa. Porém, alguns cientistas acreditam que o aumento atípico do último ano poderá estar relacionado com outras influências.
As teorias são de que o aumento do calor pode também estar ligado a mudanças de padrões do vento, a erupção do vulcão subaquático Hunga Tonga em janeiro de 2022, ou a falta de poeira do deserto do Sara que reflete a luz solar. Ainda assim, a teoria do impacto das regulamentações marítimas continua a ser a mais discutida.
Em novembro, James Hansen, cientista climático, publicou um artigo em que concluía que a redução da poluição marítima era o principal factor de uma aceleração alarmante do aquecimento global que ia além do que os modelos climáticos previam. Os regulamentos do transporte marítimo da IMO foram “uma experiência científica não intencional”, afirmou Hansen à CNN. De acordo com os cálculos do cientistas, a redução do dióxido de enxofre daria um empurrão ao aquecimento, ajudando as temperaturas globais a ultrapassarem 1,5º C de aumento acima dos níveis pré-industriais já durante a década de 2020 e 2º C na década de 2050.
Outros cientistas pedem cautela. Piers Forster, professor de física climática na Universidade de Leeds, no Reino Unido, afirma que a redução da poluição marítima provavelmente terá uma influência muito pequena no aquecimento. De acordo com os seus cálculos, as regulamentações aumentarão o aquecimento global em cerca de 0,01 graus Celsius, o que poderá aumentar para cerca de 0,05 graus até 2050 – o equivalente a cerca de dois anos adicionais de emissões causadas pelo homem.
Michael Diamond, da Universidade da Flórida, acredita que este calor extra não será “um problema”, ainda que tenha o seu peso, dado que cada fracção de grau é relevante nesta altura, quando o mundo se aproxima de níveis perigosos de aquecimento.
Em conversa com a CNN, Diamond diz que a diminuição da poluição marítima não foi o fator relevante para explicar o aumento do calor de 2023. Porém, realça que este tema deveria ser “analisado regionalmente”. Isto porque o transporte marítimo é distribuído de forma desigual no planeta, estando mais concentrado entre a Europa, a América do Norte e a Ásia, o que significa que os impactos da poluição atmosférica também poderão estar a ser distorcidos. Dessa forma, este fator pode explicar a subida de temperatura de zonas como o Atlântico Norte.
Atualmente ainda não existem dados suficientes para verificar o impacto da diminuição da poluição marítima no aquecimento global. É, porém, reconhecido que a poluição por partículas provenientes de todas as fontes teve um impacto de arrefecimento. Sem ela, o mundo seria cerca de 0,4 graus mais quente, de acordo com um relatório de 2021 do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas.
Diamond salvaguarda que não pretende apresentar argumentos contra a diminuição da poluição atmosférica, mas assume que esta situação deve ser combatida juntamente com a redução das emissões de carbono. É que a poluição atmosférica tem impacto no arrefecimento, que é compensado pelo aquecimento da queima dos combustíveis fósseis. Segundo Diamond, “o problema” surge quando se diminui a poluição atmosférica mas sem se ter como foco o combate às emissões de carbono. E é isso que está a acontecer no transporte marítimo.
Forster defende a regulamentação da IMO. “Existe para salvar vidas da poluição do ar. Ainda que a redução desta poluição tenha um pequeno impacto no aquecimento, a ação imediata para reduzir as emissões reduzirá a taxa de aquecimento global e irá melhorar a qualidade do ar”.