Embora o planeta Terra seja dominado por um oceano global, na fascinante representação de Athelstan Spilhaus de 1942, o oceano é interconectado e interage com o domínio emerso e a atmosfera. É hoje consensual que o oceano começa a sentir com maior intensidade os impactos da alteração climática e da ação antropogénica que lhe está associada.
Nos diversos rankings de ameaças existentes ao oceano global, marcam sempre presença os impactos da alteração climática: oceanos mais quentes e com ondas de calor marinhas mais frequentes, mais ácidos – com consequências potencialmente nefastas para o zooplâncton que constitui a base da cadeia alimentar, e a subida do nível médio do mar; a sobrepesca e a pesca ilegal, com subtração significativa de biomassa oceânica e a poluição, em particular o lixo marinho, com ênfase nos plásticos e microplásticos. A estes acrescem: ameaças que decorrem do tráfego marítimo ou atividade económica offshore, como emissões poluentes, colisões com baleias, aumento do ruido submarino e finalmente a destruição de habitats, e a perda de biodiversidade marinha.
Seria expectável que a atuação internacional tenderia a reverter os indicadores mais críticos, no entanto os números e tendências não são animadores. As emissões de CO2 atmosférico mantêm-se em níveis pré-pandémicos. Entre 12% e 28% das capturas globais anuais são resultado de pesca ilegal, cerca de 38,5 milhões de toneladas (Mton) são acessórias e 29% dos stocks de pesca são sobre-explorados, A utilização intensiva de fertilizantes na agricultura aumentou de 46 Mtons em 1965 para 201 Mtons em 2021, em consequência, tem-se verificado um aumento significativo de zonas mortas em áreas costeiras. São reconhecidas 500 à escala global, e duplicam a cada década, desde os anos 60. Finalmente, no lixo oceânico, são produzidas 400 Mtons de plástico a nível global anualmente, apenas 9% são reciclados estimando-se que anualmente entre 8 e 10 Mtons de plástico (maioritariamente de uso único) entram no oceano maioritariamente através dos rios.
Esta realidade revela que o ritmo da ação das políticas públicas a nível internacional não está a ser capaz de acompanhar o agravamento das pressões sobre o oceano, como reconhecido num relatório recente da OCDE. A estrutura de governança dos oceanos, regulada pela convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), consagra direitos ao Estado Costeiro das suas costas até ao limite das Zonas Económicas Exclusivas (200 milhas náuticas); para lá deste limite vigora o regime do “Alto Mar”. Aqui, a regulação resulta essencialmente do estabelecimento de um conjunto de convenções setoriais, nem sempre ratificadas por todos os Estados. Ou seja, as assimetrias no desenvolvimento socioeconómico entre estados costeiros, o conjunto de interesses económicos e geoestratégicos e o insuficiente quadro legal impedem ou atrasam uma atuação global e articulada para a proteção do oceano.
Contudo sinais positivos têm vindo a ser dados pela comunidade internacional. Foi realizado o primeiro acordo internacional, o “Port State Measures Agreement”, para combater a pesca ilegal impedindo embarcações de utilizar portos e descarregar o seu pescado. Recentemente foi igualmente ratificado o tratado do “Alto Mar” no quadro da CNUDM, que consagra os mecanismos para a criação de áreas marinhas protegidas naquele domínio e convergir para o objetivo que 30% do oceano consista em áreas Marinhas protegidas em 2030. Neste domínio, Portugal foi pioneiro ao declarar que, nas áreas sob sua soberania, iria cumprir este objetivo. Saliente-se que na realidade, no presente apenas 2,7% dos oceanos têm estatuto de proteção integral.
A perceção existente é que o oceano não está no centro das preocupações do cidadão comum, nem este tem noção da importância do oceano, como suporte da sua vida e da vida na Terra (o oxigénio que respiramos, a regulação do clima, a comida que providencia…). O “longe da vista, longe do coração” tem consequências nefastas para a saúde do oceano global. É importante relevar que a maioria dos problemas críticos que afetam os oceanos são gerados em terra. A saúde do oceano diz respeito a todos: governos, administração, empresas, cidadãos, no litoral ou no interior. Temos uma responsabilidade coletiva para melhorar a saúde do oceano, valendo a pena relebrarmo-nos que, por regra, cidadãos bem informados induzem melhores políticas públicas.