Muita gente lava o frango antes de o cozinhar por motivos de higiene. Não deixa de ser irónico que essa “medida higiénica” seja uma das principais causas de contaminação da cozinha – o frango é a maior fonte da bactéria Campylobacter spp., o agente que provoca mais casos de intoxicação alimentar na Europa, e lavá-lo só vai ajudar a espalhar os micróbios. É por isso que uma das regras de ouro é precisamente não passar o frango por água antes de o preparar.
“Quando perguntávamos às pessoas porque estavam a lavar o frango, elas nem percebiam a pergunta”, recorda Paula Teixeira, investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina, da Universidade Católica Portuguesa, no Porto, e autora de dois estudos sobre contaminação ambiental nas cozinhas domésticas.
Um dos estudos, publicado em janeiro na revista científica International Journal of Food Microbiology, acompanhou 18 casos portugueses e redundou num manual de más maneiras: 13 (72%) não lavaram as mãos antes de começarem a tratar da carne; 12 (67%) lavaram o frango previamente, debaixo de uma torneira aberta (num inquérito anterior a 609 portugueses, concluiu-se que este é um hábito de mais de metade das pessoas); e houve até um caso de alguém que arrumava a loiça lavada enquanto preparava a carne com as mãos.
Se soubessem o que o frango escondia, talvez tivessem tido outro cuidado – das 18 amostras de frango recolhidas, 14 (78%) estavam contaminadas com Campylobacter. No final, os investigadores analisaram várias superfícies e descobriram que a bactéria passara para duas tábuas de cortar, dois lava-loiças e um pano de cozinha. E este é um micróbio que não precisa de grandes quantidades para causar problemas, sublinha Paula Teixeira: “A dose para provocar uma doença é muito baixa. Basta meia dúzia de células.”
O estudo seguinte, já com vários países europeus, revelaria um hábito ainda mais arriscado.
Do frango para a salada
Apesar de ser perigosa, sobretudo para os mais velhos, crianças e grávidas, a Campylobacter morre facilmente na carne cozinhada (breves momentos a 70 ºC são suficientes). O problema é quando se transmite para alimentos que são comidos crus. E a probabilidade de isso acontecer é grande, a julgar pelos resultados de outro estudo (este em vários países europeus, incluindo Portugal), publicado em maio na revista PLOS ONE.
Neste caso, foi analisada a contaminação de alface a partir de bactérias no frango, através do sal – muita gente tempera o frango e, logo de seguida, usa o mesmo saleiro para temperar a salada, tudo com as mãos. Mas este não é um costume generalizado na Europa. “Na Noruega e em Inglaterra, não é assim. Têm um saleiro para a salada. Da primeira vez que submetemos o estudo, nem queriam aceitar. Os revisores, que eram ingleses, achavam que ninguém fazia isso. Mas depois perceberam que as pessoas faziam-no mesmo em Portugal, na Roménia, na Bulgária e na Hungria…”, recorda Paula Teixeira, que participou também nesta investigação.
Aparentemente, este descuido decorre da crença de que o sal desinfeta. “Achamos que o sal mata tudo”, diz a investigadora portuguesa. “Só que não havia nada publicado sobre contaminação no sal. O micróbio podia até cair e morrer. Mas também lá podia ficar umas horas. Não sabíamos.”
O primeiro passo foi contaminar 30 amostras de frango com a bactéria e temperá-las com sal, com as mãos. De seguida, as mesmas mãos temperaram outras 30 amostras de alface, a partir do mesmo saleiro. Resultado: em 30 amostras de sal, 21 ficaram contaminadas (70%); em 30 amostras de alface, 11 testaram positivo à bactéria (37%).
Mas talvez o problema ficasse resolvido se a salada não fosse temperada imediatamente a seguir ao frango. Os cientistas fizeram, então, testes em laboratório para perceber quanto tempo a bactéria sobrevive no sal. Ao fim de quatro horas, ainda estava ativa.
Nas conclusões de ambos os estudos, os investigadores sublinham a importância de sensibilizar os consumidores para a adoção de hábitos mais higiénicos, para evitar a contaminação dos alimentos. Recapitulando: nunca passar o frango por água, lavar sempre as mãos depois de mexer na carne e não encarar o sal como uma espécie de desinfetante milagroso. Afinal, quantas gastroenterites não serão causadas por este mito?