O Homem é dependente das plantas, e só as negligencia porque se habituou a olhar o mundo do ponto de vista exclusivamente humano, desvirtuado por uma “cegueira vegeta”. Este é um dos pontos que Stefano Mancuso, professor da Universidade de Florença, sublinhou na sessão de abertura do VISÃO FEST Verde.
“Se as plantas desaparecessem do planeta amanhã por algum evento catastrófico que não vou desenvolver, a temperatura subiria a um nível tal que a água evaporaria e, dentro de pouco tempo, a Terra apareceria como uma massa de planeta estéril, como Mercúrio ou Vénus”, explica Stefano Mancuso. “De um ponto de vista quantitativo, a vida deste planeta é uma vida verde. Nós, animais, somos dependentes, completamente dependentes das plantas. Tudo orbita em torno da vida vegetal. Isto é algo que deveríamos compreender, algo que deveríamos ter aprendido nas nossas escolas”.
“Imagine se eu tentasse contar-lhe uma história sobre Lisboa sem lisboetas. É impossível. Ou uma história sobre Roma sem os romanos. É a forma como estamos a agir, quando contamos a história do nosso planeta. Contamos a nossa própria história. E cada história que não tenha a planta como personagem principal está errada.” E porque não somos capazes de compreender a importância da planta para o nosso planeta?
“Existe um tipo de preconceito cognitivo no nosso cérebro que se chamada de cegueira vegetal e que nos incapacita de ver o verde que nos rodeia. É impossível imaginar que somos incapazes de compreender que a totalidade do nosso planeta é feita por planta. Portanto, somos realmente cegos por plantas. Isto é algo que provavelmente está ligado à maneira como o nosso cérebro se defende de uma enorme quantidade de dados vindos de uma planta, por isso estamos no curso da nossa evolução.” A ideia é simples: aprendemos como evoluir, como filtrar todos estes dados verdes que possam ser úteis para a nossa sobrevivência e focarmo-nos mais nos animais e humanos, que podem ser mais perigosos para nós. “Assim, provavelmente no início da nossa evolução, para evitar e não olhar para as plantas. Filtrar estes dados verdes era uma vantagem, mas agora não olhar para as plantas, não ser capaz de ver as plantas é uma desvantagem.” O segundo problema é o facto de que as plantas serem tão diferentes de nós. “Por isso, somos incapazes de ver plantas porque somos incapazes de as compreender. Somos apenas capazes de ver o que é realmente semelhante a nós”, elabora Mancuso.
Uma das ideias feitas dos humanos é que as plantas são incapazes de resolver problemas. Mancuso discorda. “Nós, animais, estamos a dizer que somos capazes de resolver problemas quando, na realidade, o que estamos a fazer é evitá-los. Por isso, usamos o movimento para nos afastarmos, e normalmente dizemos que resolvemos o problema quando, pelo contrário, apenas o evitamos. Para as plantas isto é completamente diferente. As plantas não são capazes de evitar problemas. Se não houver água, se tiverem de encontrar nutrientes no solo, se tiverem de se reproduzir, se tiverem de comunicar, para existirem as plantas têm de resolver problemas sem se moverem. De certo modo as plantas são muito mais inteligentes do que os animais porque se definirmos inteligência como a capacidade de resolver problemas, o que eu diria ser uma definição muito boa, muito inclusiva de todos os organismos, nesse sentido as plantas são muito melhores do que nós porque são realmente capazes de resolver problemas, ao passo que os animais são na sua maioria capazes de os evitar.”
Outra coisa que nos distingue é a nossa arquitetura muito “primitiva e antiga”. “Somos constituídos por uma cabeça, com um cérebro que é a pirâmide e governa hierarquicamente um ou dois órgãos especializados em funções específicas. Por isso respiramos com dois pulmões, comemos com um estômago, vemos com dois olhos. Esta é a forma como somos feitos e tudo o que produzimos, a nossa história foi uma reprodução da nossa arquitetura. Todas as nossas sociedades, as nossas empresas, as nossas universidades, os nossos jornais são feitos da mesma forma que nós. A nossa cabeça governa funções específicas. Grupos específicos que realizam funções específicas. Esta não é uma boa arquitetura, a nossa principal vantagem é a capacidade de produzir respostas rápidas.”
Agora, vamos olhar atentamente para as plantas. “Porque é que as plantas não têm dois pulmões, um cérebro, um estômago? Porque são incapazes de respirar, de ver e de pensar. Não. A razão pela qual as plantas não têm um ou dois órgãos para cada função é porque ter apenas um ou dois órgãos capazes de realizar determinada função é um ponto fraco. E isto é algo que todos sabemos, basta que um dos nossos órgãos funcione mal para que, no final, toda a organização do corpo humano colapse”, continua.
“A planta tem uma organização muito diferente, feita por uma organização difusa e descentralizada. As plantas e os animais deste ponto de vista são o oposto um do outro. Enquanto nós animais concentramos funções essenciais a um ou dois órgãos, as plantas dividem a mesma função por todo o seu corpo. Por outras palavras, as plantas são capazes de ver com todo o seu corpo, são capazes de ouvir com todo o seu corpo, são capazes de respirar com todo o seu corpo, são capazes de pensar, de comunicar, de se defender com o seu próprio corpo e esta é uma forma revolucionária de organizar o seu corpo”. Portanto, segundo Stefano Mancuso, “é tudo muito mais sólido, muito mais robusto, muito mais resistente”.
“É possível remover até 80% do corpo de uma planta sem a matar. Isto é suficiente, é apenas o começo, mas é suficiente para vos explicar como somos diferentes dos animais.”
Uma das coisas que o homem se habituou a acreditar é que o seu cérebro desenvolvido é uma vantagem. “Todas as pessoas que estão a ouvir a minha palestra estão convencidas de que somos muito melhores do que quaisquer outros animais. Para não falar de qualquer outra planta. E porquê? Porque temos este grande cérebro que é algo que é diferente. Porque pensamos que o nosso cérebro é único, que é algo que não partilhamos com nenhum outro ser vivo. Com o nosso grande cérebro fomos capazes de realizar feitos inacreditáveis. Conseguimos imaginar a teoria da relatividade. Conseguimos rezar na Capela Sistina. Conseguimos escrever a Divina Comédia ou os Irmãos Karamazov. Fomos capazes de realizar feitos espetaculares e isto fez-nos pensar em nós próprios como a melhor espécie do planeta”.
Mas esta ideia necessita de comprovação. “O objetivo primordial da vida é a reprodução da espécie. A nossa espécie sábia tem apenas 300 000 anos de idade. A vida média de uma espécie viva no nosso planeta é de cinco milhões de anos. Por outras palavras, antes de saber se o nosso cérebro é realmente uma vantagem e não uma desvantagem na evolução, precisamos de esperar mais 4 milhões e 700 000 anos. Se conseguirmos estar aqui, como espécie, durante mais 4 milhões e 700 000 anos, isto significaria que o nosso cérebro não está a afetar completamente a nossa capacidade de sobrevivência.”
O problema está aqui: será que vamos conseguir sobreviver tanto tempo, com toda a destruição que estamos a infligir no nosso habitat? “Parece muito improvável que pudéssemos sobreviver durante tanto tempo se pensarmos que tudo o que fizemos neste planeta Terra foi feito nos últimos 300 000 anos.” Ainda assim, Mancuso está otimista: “tudo parece descrever a nossa espécie como a espécie mais estúpida que alguma vez apareceu no nosso planeta. Mas acredito que o nosso grande cérebro é, na verdade, uma vantagem. É uma ferramenta extraordinária e que estamos a usar essa ferramenta da uma forma estúpida, porque somos uma das espécies mais jovens. Porque somos como os bebés. Quando se põe uma ferramenta na mão dos bebés, eles tentam, no início, destruir a casa. Só depois de crescerem vão ser capazes de construir casas. Penso que é isto que nos está a acontecer. Espero que dentro de algum tempo compreendamos que, com o mesmo cérebro, com a mesma ferramenta, possamos construir outras casas.”
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