Dentro de menos de quatro meses, a França terá um novo Presidente, só não sabemos se será um homem ou uma mulher. Depois de Trump e do Brexit há o risco de as sondagens estarem de novo erradas e de o nacionalismo de extrema direita de Marine Le Pen estar perto da vitória. Na esquerda radical, as esperanças estão depositadas em Jean-Luc Mélenchon. Estes dois candidatos têm um ponto em comum: ambos desafiam os tratados europeus e o presente sistema de competição até à morte entre países e territórios, que não atrai muitos dos que foram deixados para trás no processo de globalização. Têm também diferenças fundamentais: Mélenchon, apesar de erupções de retórica divisiva e de uma por vezes alarmante imaginação geopolítica, tende apesar de tudo para uma abordagem progressista e internacionalista.
O risco desta eleição presidencial é o de todas as outras forças políticas -e os media convencionais fustigarem estes dois candidatos e meterem-nos no mesmo cesto rotulando-os simplesmente de “populistas”.
Este novo insulto político, que já foi utilizado com êxito nos EUA relativamente a Sanders, pode cegar-nos nas questões fundamentais. O populismo é meramente uma resposta, de certa forma confusa mas legítima, à sensação de abandono experimentada pelos trabalhadores nos países avançados face à globalização e ao aumento das desigualdades. Para construir respostas específicas a estes desafios, temos de construir sobre os elementos populistas mais internacionalistas -representados aqui e ali pelo Podemos, o Syriza, Sanders ou Mélenchon, apesar dos seus limites; de outra forma, prevalecerá o retrocesso para o nacionalismo e a xenofobia.
Infelizmente há uma estratégia de negação que os candidatos da direita liberal (Fillon) e do centro (Macron) tendem a adotar uma vez que ambos vão defender o status quo integral do Tratado Orçamental de 2012.
Não surpreende: Fillon negociou-o e Macron aplicou-o.
Todos os estudos de opinião confirmam que estes dois candidatos apelam primeiramente aos que ganharam com a globalização, com diferenças interessantes (os católicos mais do que a classe média) mas que são, em última instância, secundárias relativamente à questão social. Declaram representar uma abordagem racional: uma vez que a França recupere a confiança da Alemanha, de Bruxelas e dos mercados, liberalizando o mercado de trabalho, reduzindo as despesas e o défice, eliminando a taxa sobre os ricos e aumentando o IVA, será tempo de convidar os nossos parceiros a mostrarem alguma boa vontade em termos de dívida e austeridade.
O problema com esta retórica aparentemente racional é que não é nada racional. O Tratado de 2012 foi um erro monumental que colocou a Zona Euro numa armadilha fatal, impedindo-a de investir no futuro. A experiência histórica demonstra que é impossível reduzir uma dívida pública deste tamanho sem recorrer a medidas de exceção. A única forma é produzir forçosamente excedentes primários durante décadas, o que põe sob grande pressão qualquer capacidade de investimento. Assim, entre 1815 e 1914, o Reino Unido gastou todo um século a conseguir grandes excedentes primários para reduzir a dívida massiva decorrente das guerras revolucionárias (mais de 200% do PIB). Esta escolha mal pensada contribuiu para o subinvestimento em educação e o ulterior fraco crescimento do país. Pelo contrário, entre 1945 e 1955, uma combinação de perdões de dívidas, de inflação e facilidades ao capital privado permitiram à Alemanha e à França verem-se livres de uma dívida semelhante. Isto significou que puderam investir no crescimento.
A mesma coisa deveria ser feita hoje, impondo na Alemanha uma Câmara Parlamentar da Zona Euro para reduzir as dívidas com total legitimidade democrática. Se não, a falta de investimento e a travagem da produtividade já observadas em Itália acabarão por alastrar à França e a toda a Zona Euro (já há sinais disto).
É recuando às profundezas da História que ultrapassaremos os bloqueios do presente, como tão brilhantemente nos recordaram os autores de uma História Mundial de França, um verdadeiro antídoto às tensões de origem identitária em França. De uma perspetiva mais mundana, temos também de aceitar a participação nas primárias organizadas pela ala esquerda do governo.
É essencial que esta primária designe um candidato que se comprometa a rever em profundidade as regras europeias. Hamon e Montebourg parecem mais próximos desta linha que Valls ou Peillon, desde que vão para além das suas posições no rendimento universal e no ‘made in France’ e que formulem por fim propostas específicas relativamente ao Tratado Orçamental de 2012 (pouco ou nada mencionado no primeiro debate televisivo, talvez porque todos votaram a favor há cinco anos). Nem tudo está perdido, mas é urgente agir, se queremos evitar pôr a Frente Nacional numa posição de poder.
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