Hoje com 89 anos, o homem que fundou a editora que marcaria a cultura portuguesa continua muito ativo. Organiza regularmente encontros e espetáculos no CCD Porto (Centro Cultural e Desportivo do Porto). Tem dois livros de poesia publicados. No início de outubro foi editado um disco com Arnaldo Trindade lendo os seus próprios poemas, tal como fizera com outros poetas em 1956, quando se lançou visionariamente no negócio dos discos.
Como é que fez os discos Orfeu?
É interessantíssimo. Começou pela minha paixão por poesia e literatura. Estudei no Liceu Alexandre Herculano, no Porto, e tive professores que nos abriram a alma. Nas aulas punham-nos a recitar Pessoa. Um dos meus professores foi António Cobeira, que era poeta – tem coisas muito bonitas na [revista] Orpheu –, boxeur amador e pegador de touros. Falava-nos da geração de Orpheu e criou-nos uma paixão pela poesia. Houve outra pessoa importante, Alberto Uva, que foi meu professor particular de alemão e inglês. Era um bom poeta. Foi diretor do jornal O Primeiro de Janeiro e do Ateneu Comercial do Porto. Por causa disto tudo, o nosso grupo do liceu começou a falar de coisas de que normalmente os rapazes de 15 ou 16 anos não falavam. No Liceu fundou-se o Cineclube do Porto, o primeiro cineclube da Península. Estávamos inseridos numa coisa que não nos dizia nada, numa geração completamente amorfa. Não podíamos ler livros estrangeiros, não tínhamos acesso aos jornais, não nos deixavam conversar. Mesmo no [café] Majestic havia bufos da PIDE entre os criados. O meu pai tinha uma loja muito boa de eletrodomésticos, onde uma série de pessoas muito interessantes se juntava ao fim do dia, numa espécie de tertúlia. Ficava em frente ao Majestic. Eu ia para lá ao fim da tarde e conheci toda a gente, praticamente todos os grandes pintores da época.