Os estaleiros do Pireu, o porto de Atenas, continuam a ser a casa da maior marinha mercante do mundo, mas a azáfama é hoje bem menor do que nos tempos em que Onassis era figura constante nas revistas sociais de todo o mundo. Mas nem precisa de recuar-se tanto no tempo. Até ao início da atual crise, chegavam ali a juntar-se centenas de navios para reparação. Hoje, diz-se que haverá dias em que não se veem por lá mais de um ou dois.
Uma ida ao porto do Pireu é uma descida ao lado mais radical da crise, onde o desemprego atinge níveis insuperados no resto do país. Em agosto de 2008 trabalhavam ali 6 500 operários, quando atualmente
não passam de 500. Ao menos pelos números de Sotiris, um operário metalúrgico que ali está há 15 anos e fala um inglês provavelmente aprendido no cruzamento de culturas que um porto significa. Ali torra-se ao sol do Mediterrâneo, apesar de ser já oficialmente outono. Sotiris vai conduzindo o carro ao longo dos estaleiros e, ao ouvi-lo, percebe-se que a calma das águas, mesmo ali ao lado, não tem correspondência em terra, onde a situação é potencialmente explosiva. Não que o Pireu tenha entrado em decadência: «Sofre apenas do mesmo que os estaleiros de todo o mundo. Não há mercadorias para transportar desde o início da crise.»
Sotiris diz que ali não há medo da bancarrota. Medo de quê, se na bancarrota já muitos dos operários estão? O trabalho era duro mas bem pago, andava pelos 75 euros por dia. E, de repente, a esmagadora maioria deles passou a sobreviver apenas de biscates ocasionais noutras profissões.
Ao contrário, os armadores gregos parecem ter sido poupados à crise. Continuam a possuir das maiores fortunas do país, embora alguns vivam em Inglaterra. E terão até visto na crise um momento de oportunidade. Os 30 maiores deles compraram nos últimos anos mil navios, embora custem 40 a 45 milhões de dólares cada. À versão de Sotiris a imprensa grega acrescenta que, no último ano, os armadores no seu conjunto não pagaram mais de 10 milhões de euros de impostos.
Sotiris diz que não lhe interessa a Europa, nem a Sra. Merkel, nem Sarkozy.
Vai falando num tom em crescendo, que acaba em mistério: «Veremos as coisas que acontecerão nos próximos meses. Isto só vai com sangue.» Para grandes males, remédios drásticos, ainda que, neste caso, talvez não passem de um desabafo. Mas não tem qualquer medo da saída do euro, que até lhe pareceria uma vantagem: «Para os trabalhadores gregos a integração europeia tem sido tão devastadora como o furacão Katrina… Éramos o primeiro produtor mundial de tomate e agora compramos à Bélgica e à Holanda. Foi isso a União Europeia.»
O FIM DE UM BOM NEGÓCIO
Quinta-feira, 22 de setembro, foi dia de andar a pé em Atenas. Pela primeira vez em 25 anos todos os transportes públicos paralisaram ao mesmo tempo. Inesperadamente, os taxistas, seus habituais concorrentes, tornaram-se nesta greve seus compagnons de route. É que neste setor profissional reside precisamente uma das diferenças das receitas grega e portuguesa da troika. A liberalização profissional imposta pela troika significou neste caso o fim de um excelente negócio e uma enorme quebra de expectativas. Como prova o caso de Stephanous, 28 anos, de inglês fluente e sorriso um tanto irónico quando
se apercebe de que tem por passageiros jornalistas portugueses à procura dos porquês da crise grega. Formado em Gestão Hoteleira em Brighton, na Inglaterra – «os três melhores anos da minha vida» – voltou para a Grécia e resistiu à crise trabalhando em Creta durante o verão. No inverno regressava à capital, onde o esperavam trabalhos esporádicos sem nada a ver com o turismo. Até que, há apenas cinco meses, reuniu as economias e comprou a um tio, que foi 30 anos taxista em Atenas, a licença do seu carro por 100 mil euros, ainda assim menos do que outros têm pago: «Havia até anúncios a dizer ‘troca-se casa por licença de táxi’.»
Acreditava que recuperaria o investimento em dez anos quando, subitamente, o Governo anunciou que, a partir de agora, as licenças deixam de poder ser negociadas entre particulares. Passará a ser o Governo a vendê-las por 15 a 50 mil euros. O argumento foi o de que se perdiam milhares de milhões de euros em impostos com esse mercado negro da venda de licenças. «Parece-me demasiado, mas não impossível», reconhece Stephanous. Mas a pior das notícias para este setor foi a de que o número de táxis passa a ser
fixado em função do número de habitantes de cada cidade. Aplicada a Atenas, onde existem hoje 15 mil taxistas, a medida significa que passarão a poder circular mais 10 mil. Daí que Stephanous se queixe das suas erradas contas de vida: «Agora não vou reaver o investimento, nem poder vender a licença. Nunca devia
ter voltado de Inglaterra.»
O CHUMBO DO BOM ALUNO
Se, ao contrário da Grécia, não existe por enquanto em Portugal nenhum problema com os taxistas, já nos dois países a bête noire da troika tem sido a mesma: os funcionários públicos. A nova fatia de austeridade agora anunciada prevê a criação de uma «reserva laboral» de 30 mil pessoas, que ficarão a ganhar 60% do
vencimento durante um ano. E que, findo esse prazo, ficarão no desemprego, se até lá o Estado não lhes tiver arranjado outra colocação. O acordo com a troika começou por lhes levar o subsídio de férias e o13.° mês, seguidos depois de outras reduções. Ilias Iliopoulos, um professor já reformado, é o secretário-geral da APEDY, a frente comum dos sindicatos do setor e sabe de cor todos os cortes que, somados, entre salários, complementos e perda de poder de compra, fazem com que estes gregos já tenham sofrido prejuízos de
40% desde o início de 2010. Pior ainda, a conta deve ascender aos 50% até ao final do ano. E pelos seus números, até 2014 deverão ficar desempregadas 200 mil pessoas na Função Pública e setores adjacentes,
sobretudo a Saúde e a Educação. A APEDY promete responder com «um horário completo de protestos» até
ao fim de outubro. «Queremos a troika fora. Eles pretendem comprar as nossas empresas muito baratas e sem trabalhadores, para porem outros a ganhar menos»», diz Ilias Iliopoulos, que está longe de parecer um radical. E a lista de privatizações exigidas à Grécia tem muito em comum com a portuguesa – eletricidade,
energia, água, estradas, aeroportos, transportes. Para espanto de muitos portugueses, quando os jornais gregos se referem ao «bom aluno da Europa» é ao seu país que se referem. É precisamente a expressão
que usam para acusar a classe política de ter acatado demasiadas imposições de Bruxelas. E, no entanto, se em Portugal todos os setores políticos defendem o pagamento da dívida, ainda que renegociada, na Grécia essa unanimidade, se existiu, já passou.