Sossusvlei, Namíbia
O lençol de dunas que atravessa o deserto do Namibe desde o oceano Atlântico até ao Grande Planalto da África Austral apresenta o seu momento mais emblemático e também mais acessível no corredor de Sossusvlei. Aqui, surgem algumas das mais altas dunas da Terra. A mistura de ferro e areia na encosta das dunas resulta extraordinária quando o Sol está baixo no horizonte. Tendo atravessado vários desertos, em vários continentes, sempre que regresso às dunas de Sossusvlei parece-me regressar ao útero dos desertos, ao lugar onde nasceram todos os outros oceanos de areia que parecem existir para que os atravessemos.
Albi e o território cátaro, França
A razão que me levou a Albi da primeira vez não se prendia com a sua heresia medieval; fui escrever uma reportagem sobre o centenário da morte de Toulouse-Lautrec, o filho mais celebrizado da pequena cidade. Mas o meu texto acabava por misturar Arte e História, gótico e impressionismo, cátaros e boémios, cruzadas religiosas e a subjugação política do Languedóc. Sugeria, no final do texto, que a obra de Toulouse–Lautrec, abordando uma Paris meio cómica meio sórdida – as casas de passe, as mulheres alcoólicas que se beijam ou que esperam clientes, os teatros de reputação duvidosa, os empresários falhados, os palhaços tristes, as coristas dos sorrisos deformados” –, era afinal a oportunidade que o território cátaro aguardava para pregar uma “bofetada de luva branca” à capital do Norte que sete séculos antes o devastara.
Kashgar, China
Os atractivos de Kashgar são muitos: o principal oásis do Taklimakan, o deserto sem regresso; o ponto de arranque da travessia da cordilheira do Karakorum, com as suas neves eternas ao alcance do olhar; nó de confluência de várias rotas de comércio, entre elas a Rota da Seda; e última fronteira do mundo islâmico na direcção do sol nascente. Hoje, que o adjectivo “exótico” ficou completamente banalizado pelas brochuras dos tour operators, há poucos lugares no mundo que ainda são genuinamente dignos de serem considerados assim: “exóticos”. Kashgar é um deles.
Machu Picchu, Peru
O mais consensual de todos os lugares que escolhi, e ao qual regressei várias vezes nesta viagem que é a vida. Numa delas cheguei a pé, depois de alguns dias a caminhar pelo famoso percurso de trekking do “Caminho Inca”. A chegada, à cidade perdida dos incas numa madrugada de neblina e desconforto; e o lento processo de aparecimento da luz solar sobre as ruínas, é um dos momentos mais emocionantes desta minha viagem.
Taj Mahal, Índia
Já vi o Taj Mahal de muitas perspectivas, mas cada vez é como a primeira. Sinto o mesmo assombro pela sua graça, a mesma alegria por ele existir: uma plenitude constantemente renovada. Shah Jahan ergueu este mausoléu em memória de uma das suas mulheres, Muntaz Mahal. O edifício cristaliza uma história de amor em luz e mármore. Mas não é a história de amor que eu imaginei: que o Taj Mahal chorava uma rapariga morta no apogeu da perfeição física. Afinal, Muntaz Mahal faleceu durante o nascimento do décimo quarto filho do casal. O mausoléu celebra a relação madura de um homem e de uma mulher que envelhecem juntos. O Taj Mahal não é uma homenagem à paixão de um momento, mas sim ao amor de uma vida – a uma plenitude. constantemente renovada.
Okavango Delta, Botsuana
O Okavango desce dos planaltos de Angola e vai desaguar no Kalahari. O encontro com o deserto é fatal a esse rio cristalino e delicado: por evaporação e infiltração, o Okavango morre no Kalahari. Longe de centros urbanos, isolado no planalto central da África Austral, o delta mantém-se o mesmo santuário de vida selvagem tal como o conheci pela primeira vez em 1992. Sempre que deslizo numa piroga por este labirinto de juncos, ilhotas e canais, parece-me reencontrar o primeiro dia da Criação.
Bagan, Myanmar
Enquanto nas últimas décadas Machu Picchu, Angkor ou Luxor, lugares que representam a Humanidade à mesma escala de solenidade de Bagan, se enchiam de milhões de visitantes anuais, o Myanmar permanecia arredado do boom planetário do turismo. A minha primeira vez foi um big bang emocional. Nunca pensei que, depois de ter visto tantos lugares extraordinários, ainda existisse um destino capaz de me provocar um sentimento de descoberta e felicidade tão intenso. Éramos tão poucos os que por lá andávamos que me parecia ser eu o primeiro turista após a passagem dos exércitos de Genghis Khan. Fui depois várias vezes a Bagan e cada vez Bagan está mais popular, mais procurada, mais acessível. Ainda bem para todos os que nunca foram lá. Pior para mim.
Cinque Terre, Itália
Hesitei entre colocar as Cinque Terre em “Paisagens” ou “Cidades”. Nada disso. Vivi aqui no início da vida adulta, fiz amizades que me obrigaram a nascer uma segunda vez, aqui percebi para o que tinha nascido. Trabalhava em qualquer coisa que me aparecesse, exultava com tudo o que me acontecia. Não tinha dinheiro, não tinha problemas. Escrevia. Tempos Épicos. Tudo isto muito antes das invasões bárbaras do turismo de massa terem arrasado para sempre a magia do lugar.
Pan-Americana, América Central
Talvez a região do globo onde regressei mais vezes, onde planeio regressar sempre. Atravessando-a de uma ponta à outra, esta faixa de asfalto evocadora e mítica, a Pan-Americana. Vulcões, lagos, ondas perfeitas para o surf, cidades coloniais, igrejas barrocas, clima sempre quente, viagens aterradoras em autocarros decrépitos, fronteiras caóticas e muita música, muito rum. Mas o que eu gosto mesmo é das pessoas. Viajar na Pan-Americana, uma experiência anímica, fundamental. Cuidado com os carteiristas.
Travessia do Pacífico
Navegar regenera. Sei que sou melhor do que alguma vez teria sido se nunca tivesse navegado. Precisei de dois meses para atravessar o Pacífico. E, no silêncio e contemplação que só o infinito líquido e ondulante dos oceanos permite, eu compreendia o mesmo que qualquer astronauta pode compreender: que este planeta nunca deveria ter sido chamado de Terra, pois a sua substância fundamental é a água; e os indivíduos mais felizes da espécie humana são aqueles que a escolhem como caminho de viagem.