O horizonte de arranha-céus, onde brilha o maior edifício desenhado por Siza Vieira, remete-nos para a paisagem das grandes metrópoles americanas. Mas isso é só uma ilusão de ótica ou desconhecimento da História: estamos, isso sim, numa das metrópoles mais tranquilas da Europa. Em Roterdão, o céu é mesmo o limite e as pessoas mostram a sua simpatia terra a terra.
Destruída pelos bombardeamentos nazis, durante a II Guerra Mundial, a cidade renasceu como um paraíso para os arquitetos. Foi assim que abraçou o traço contemporâneo de Siza, Norman Foster, Renzo Piano e do filho pródigo Rem Koolhaas. O autor da portuense Casa da Música espalha a sua criatividade por Roterdão – do Kunsthal ao colosso De Rotterdam, um enorme edifício de escritórios, apartamentos e hotel, concluído em 2013.
A segunda cidade da Holanda tem cerca de 600 mil habitantes, mas os únicos engarrafamentos que se veem são os de bicicletas. O novo e espetacular edifício da estação central possui até um parque subterrâneo que alberga 5000 velocípedes. Com pistas, sinalização e ciclistas menos stressados, circula-se aqui mais facilmente do que em Amesterdão, onde por vezes nos sentimos no Tour de France. Entramos no espírito local a pedalar na estação central e no bairro Kruiskade (a Chinatown local), pejada de lojas criativas e alternativas, instaladas em prédios antigos. Após alguns quilómetros sem dificuldade, atravessamos a Ponte Erasmus para a zona sul, onde se percebe a importância do maior porto da Europa e da ligação que esta cidade tem com o mar.
O Hotel New York, erguido na antiga sede da Holland America Line, faz-nos viajar no tempo, com a sua decoração vintage. Foi daqui que, durante décadas, partiram milhares de emigrantes para a terra prometida do outro lado do Atlântico. Hoje, o movimento é em sentido inverso e, à hora de almoço, este café e restaurante está cheio de locais, mas também de turistas, onde sobressai o sotaque norte-americano. O edifício icónico do Wilhelminapier contrasta com os arranha-céus vizinhos, entre os quais o New Orleans (45 andares e 158 metros de altura com a assinatura de Siza Vieira). A zona encontra-se ainda em fase de renovação e há já novos projetos aprovados. Um deles vai substituir o Fenix Food Factory, um antigo armazém transformado num mercado, com cafés, padaria, queijos e produtos frescos..
Maioritariamente espaço de escritórios, este bairro não tem o movimento do centro, mas dá-nos a melhor perspetiva da criatividade arquitetónica da cidade. Flip Nieuwpoort, um jovem arquiteto que também conduz passeios turísticos de bicicleta, na ArchiGuides, explica-nos que esta explosão acontece simplesmente porque é permitida: “Noutros países, como Espanha e Itália, ou até em Amesterdão, não se pode construir assim, tem que se respeitar o património, os edifícios antigos. Aqui não existe essa restrição, podemos fazer tudo.” Até mesmo “casar” um edifício emblemático como o Witte Huis, do final do século XIX (que, com os seus 11 andares, chegou a ser a torre de escritórios mais alta da Europa), com uma moderna torre de vidro e aço. “Acaba até por surgir uma certa coerência desta incoerência paisagística. E temos orgulho por sermos uma cidade de arquitetura”, sublinha Flip.
Espaços públicos e mercado para todos
Para além dos edifícios, Roterdão é também uma cidade que sabe celebrar a vida – foi uma das primeiras na Europa, nos anos 50, a ter uma rua pedonal dedicada às compras. Agora, logo ao princípio da tarde de um dia de semana, é possível ver cafés e esplanadas cheios na popular Witte de Withsraat, em particular o NRC, Nieuw Rotterdams Café. À noite, as atenções transferem-se para o gin tónico do Ballroom. Desta rua repleta de restaurantes, cafés, wine bars e galerias de arte, pode caminhar-se até ao Museum Park, onde se encontram museus importantes como o Boijmans e o Kunsthal.
Mas o novo ponto de encontro em Roterdão é o Markthal, um mercado de linhas arquitetónicas ousadas, que acaba de receber o MIPIM Award 2015 para o melhor centro comercial do mundo. Inaugurado em outubro, tem recebido a média de um milhão de visitantes por mês. O conceito é inovador e combina apartamentos (228 no total) com uma zona comercial, de restaurantes e quiosques. O seu interior, com um arco com 40 metros de altura, é forrado com a maior obra de arte da Holanda, The Horn of Plenty, de Arno Coenen.
Visitar o Markthal é uma experiência divertida e que, ainda por cima, prima pela variedade gastronómica: pinchos, bolachas, queijos, fruta, enchidos, cervejas e até vinho do Porto, dada a ligação de Roterdão com a cidade portuguesa em 2001, quando ambas foram capitais europeias da cultura. Recomenda-se uma ida ao sábado ou à terça-feira para aproveitar o melhor dos dois mundos: nestes dias continua a realizar-se o mercado exterior, que mistura bancas de peixe (incluindo kabeljauw fresco, o nosso fiel amigo), pão e especialidades turcas, queijos holandeses, bolachas stroopwafels (recheadas com caramelo) a par de bolos de arroz portugueses, ou das gulosas poffertjes (pequenas panquecas fofas, polvilhadas com açúcar em pó e nacos de manteiga), frutos secos ou peixe frito. O kibbeling é um saboroso petisco (originalmente eram caras de bacalhau, agora podem ser outros peixes), frito numa polme e polvilhado com paprika. Come-se na rua, tal como as batatas fritas com maionese, servidas em cones.
Nesta zona central da cidade estamos perto ainda das icónicas casas cúbicas de Piet Bloom mais interessantes pela originalidade exterior do que propriamente pelo interior, nada funcional, e da Meente, a rua onde se encontra o café Dudok, que serve a mais sublime das tartes de maçã.
Vale a pena caminhar pausadamente por esta rua com cafés e lojas variadas. E não se admire se sorrirem para si, num gesto amável. Os holandeses são simpáticos, mas em Roterdão parecem particularmente afáveis. Erasmus, figura humanista do Renascimento, só podia ser filho desta terra.
GUIA DO VIAJANTE
PARA COMER
Rodin
Boa aposta na comida mediterrânica. Um menu de dois pratos fica em €18,50 ao almoço. Mas pode sempre seguir o exemplo dos locais e optar por uma sanduíche, recheada em doses generosas. Experimente ainda o aperitivo da casa…
Schilderstraat 20a
http://rodinrotterdam.nl/
De Pasta Kantine
Um popular restaurante italiano de massas, com meias doses e boa relação qualidade/preço.
Prins Hendrikplein 15
www.depastakantine.nl
Dudoc
Além da tarte de maçã (appeltaart), este café é ótimo para uma refeição ligeira. A decoração é outro trunfo (do exterior não parece nada interessante): painel com uma coleção de scooters atrás do balcão.
Meent, 88
www.dudok.nl
Vlaamsch Broodhuys
Café-pastelaria, com pão e bolos excelentes, mas só aceita cartões para pagamento
Meent, 8-A
www.vlaamschbroodhuys.nl
Dutch Diner
Bom para um café ou para um lanche com as poffertjes, as tais panquecas pequenas e fofas.
Meent, 20
www.dutchdiner-meent.nl
FG Food Labs
Uma antiga estação deu lugar a uma das áreas da cidade mais na moda. Este restaurante do chef François Geurds é tão convidativo como caro.
Raampoortstraat, 26
www.fgfoodlabs.nl
SAIR E COMPRAR
Hotel New York
Bom para uma bebida no salão. Com bom tempo, é difícil arranjar lugar na esplanada.
Koninginnenhoofd 1
www.hotelnewyork.nl
Bokaal
Bar especializado em cerveja 11 à pressão e 80 engarrafadas.
Nieuwemarkt, 11
www.bokaalrotterdam.nl
Markthal
Com comida e restaurantes para todos os gostos e carteiras.
Ds. Jan Scharpstraat, 29
www.markthalrotterdam.nl/
Bird
Um clube de jazz, mas que funciona também como bar muito procurado pelos mais novos, com djs mais alternativos. Também tem restaurante.
Katshoek, 41
www.bird-rotterdam.nl
Fenix Food Factory
Veerlaan 19D
Com preços acessíveis e produtos de boa qualidade, como queijo artesanal.
www.fenixfoodfactory.nl/
Groos
Uma loja de produtos genuinamente de Roterdão, de moda a arte, passando por objetos de design.
Schiekade 203
www.groos.nl
COMO CHEGAR
Do aeroporto de Schiphol, há um comboio direto para Roterdão. Custa cerca de 14 euros.
Da estação central saem vários trams (os elétricos). Uma vez lá, pode alugar uma bicicleta ou comprar o passe de três dias para os transportes públicos, que custa 14,20 euros.
NA AGENDA
Rotterdam Blitz
A 14 de maio celebram-se 75 anos sobre o bombardeamento da cidade, com uma série de eventos, entre os quais a exposição The Attack.
Mais informação: www.rotterdampartners.nl