É na comunhão entre os povos e o meio ambiente circundante que se define a unicidade de países longínquos, de culturas marcantes, de mundos singulares. Estes mundos são a matéria-prima de que os sonhos dos viajantes são feitos; eles preenchem o imaginário dos espíritos nómadas que não se conformam com imposições externas que nos remetem a uma existência estacada e invariável.
O Yunnan reforçou lapidarmente este aforismo.
Imaginemos um painel composto de mosaicos tão desiguais que seria chocante tentar a sua combinação. Contudo, os mosaicos foram encontrando o seu espaço de encaixe tornando o painel numa representação consonante. Esta pode ser uma metáfora possível para levantar a ponta do véu sobre o que nos espera na província chinesa do Yunnan.
Yunnan é a região da imensa China que apresenta a maior variedade étnica e uma diversidade paisagística estonteante. É na simbiose destes dois elementos vitais que reside a grande magia desta província. Se alguém afirmar que o Yunnan é um destino de sonho para a maioria dos viajantes, não está a mentir.
Sendo a província com o maior leque de minorias étnicas é, sem sombra de dúvida, o território que nos faculta o vislumbre mais extraordinário da salada humana que é a China: a comunidade matriarcal Naxi em Lijiang, os adoradores do fogo da etnia Yi em Kunming, ou o “povo branco” da comunidade Bai em Dali e toda a região do Lago Erhai. A acompanhar o vasto número de etnias, há um igual número de trajes simbólicos e coloridos, dialetos com alfabetos únicos no mundo e costumes típicos. Mesmo que o quadro antropológico não seja motivo suficiente para persuadir o visitante, certamente que o convence o esplendor e grandeza da paisagem natural. Selvas com ambiente tropical, montanhas escarpadas que se erguem como autênticos gigantes mitológicos, terraços de arroz cuja constante mutação lhe confere um estatuto de arte, rios violentos como feras ou serenos como cordeiros, picos eternamente coroados de neve a caminho do Tibete. De tudo isto, e muito mais, é feito este painel que só as forças da Natureza são capazes de criar.
O terreno é duro, é inegável. Em tempos o Yunnan foi visto como terra de bárbaros pela inospitalidade do território. Outrora, aqueles que caiam em desgraça não podiam esperar outra sentença senão a de serem aqui desterrados. É uma região mais isolada e, provavelmente por isso, preservou em segredo muito do seu encanto. Definimos um período de tempo para explorar alguma da sua fisionomia natural e humana aqui escondida, e foi claramente insuficiente. E mesmo que dobrássemos esse limite temporal, ainda seria insuficiente.
Hoje, a modernidade já atingiu a província e a evolução é visível. Se por um lado esse progresso permite-nos ter acesso a regiões da China onde poucos se aventuravam, por outro, receamos que possa desfigurar irremediavelmente a autenticidade do quotidiano das suas gentes, que são no fundo a sua alma.
Não conseguimos sacudir do espírito uma sensação de visita tardia, de termos perdido alguma da riqueza furtada pela modernidade inexorável. Por isso, muitos dias procurámos refúgio nas caminhadas pelas montanhas, nas escapadelas às aldeias sem destaque nos guias, nos trilhos dos terraços de arroz dos quais não existem mapas.
No entanto, os sentidos captaram múltiplas impressões que são o rosto verdadeiro atual. E assim, o Yunnan se tornou mutável e real, e não numa estagnada imagem, indemne no universo dos sonhos.
Alexandre e Anabela (VagaMundos)
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